pra fechar o mes de janeiro e a série “onde esta a arquitetura norte-americana?”, começo hoje a partir de um ótimo texto de Martin Filler na New York Review chamado “Miracle on the Bowery”.
nele o autor se derrete de elogios ao New Museum de Kazuyo Sejima, sem contudo deixar de concordar com minhas modestas observações de que a tão declamada luz natural não exerce o efeito esperado nos espaços internos. Mas Filler acerta no alvo quando comenta que “a globalização na arquitetura é tão profunda que vale perguntar se arquitetos estrangeiros não teriam uma vantagem em relação aos talentos locais”. Na análise de Filler, alguns arquitetos seriam intimamente ligados aos processos locais de construção e por isso não se dão bem no exterior, enquanto outros brilham mais intensamente em terras alheias.
tudo dependeria da forma como detalhes e especificações são desenhados e entendidos, daí minha crítica aos projetos recentes de nosso gênio maior, Oscar Niemeyer. Depois que o século 20 materializou em edifícios todas as formas e geometrias possíveis, a genialidade reside muito mais no detalhe que no todo.
e é justamente nesse ponto que discordo quando Filler diz que a Morgan Library de Renzo Piano é decepcionante pois para mim foi o projeto mais sensível, mais elegante a mais bem executado que ví em New York na virada do ano.
trata-se de um edifício encrustado no meio de 3 outros prédios de propriedade de um financista bilionário, Pierpont Morgan, e seu filho J.P. Morgan. Como todo bom magnata, os Morgans foram comprando arte e manuscritos raros enquanto enriquecia, e deixou uma coleçao impressionante de Van Goghs, Degas, Matisses, bíblias originais de Guttemberg e cartas de Leonardo da Vinci, entre outros tesouros menos famosos, com ênfase na renascença italiana.
anteriormente, a coleçao se espalhava por 3 edifícios, a casa, o escritório e a casa de hóspedes. Renzo Piano foi contratado para projetar uma expansão que unificasse o conjunto e no melhor estilo tardo-moderno, desenhou um edifício que é pequeno por fora e grande por dentro. Ao respeitar os volumes originais e recuar seu anexo em relação à rua, Piano conseguiu um edifício discreto mas extremamente generoso e espaçoso, cuja presença se faz marcante depois da entrada e não antes. O auditório naturalmente enterrado abre espaço para um luminoso átrio/café logo depois da entrada, com elevadores de pistão articulando os 4 pavimentos, 2 acima e 2 abaixo do terreno natural. O uso de vidro é extenso, e serve não só para captar luz natural (aqui sim, marcante e rasgadamente presente) mas também para revelar os edifícios originais na sua integridade.
de certa forma a Morgan Library de Piano é a antítese do New Museum de Sejima, muito mais impressionante por dentro que por fora, apesar de que a elegância de Piano já se anuncia do outro lado da rua.
e lamento muito ter sido proibido de fotografar porque o melhor de sua arquitetura, assim como se diz do diabo, está nos detalhes.