Monday, March 29, 2010

tem que morrer pra germinar

na semana passada tive a honra e o prazer de participar de uma mesa redonda com Gilberto Gil aqui na Universidade do Texas. Entre várias questões de âmbito político, cultural ou artístico, eu fiz minha perguntinha sobre patrimônio histórico (afinal de contas o IPHAN é parte do MinC).


eu: Gil, sou fã do governo Lula principalmente no que diz respeito à popularização, ênfase perceptível e louvável em várias instâncias incluindo seu ministério da cultura (2003-2008). Mas como arquiteto eu várias vezes esbarro no conservadorismo e no elitismo do IPHAN. Como fazer para que o IPHAN seja um pouco menos dominado pelo mito do Dr. Lucio e se aproxime um pouco da visão de Lina Bo Bardi por exemplo.


Gil abriu aqueles olhões e se empolgou (até então a mesa redonda vinha calminha). A conversa era em inglês e abaixo segue a transcrição literal.


_ é uma batalha, uma batalha épica. Se tem uma coisa que eu vejo que não fui capaz de fazer foi enfrentar de verdade os órgãos de patrimônio. Eles são ossificados, são uma casta, uma corporação. Quero dizer, são tão reacionários! Talvez se caísse uma bomba! Oh Deus, destrua para que a gente possa começar do zero. Eles são tão auto-centrados que é impossível. Nós tentamos estabelecer um diálogo mas acho que avançamos muito pouco.


Obrigado Gil, disse tudo!




last week I had the pleasure and the honor to participate in a round-table discussion with Gilberto Gil. Among all sorts of questions about cultural policies, government and his outstanding art, I had my small question. It was about preservation policy because as Brazilian Minister of Culture (2003-2008) the IPHAN (national office of conservation) was under his leadership.


me: Gil, I a big fan of the popularization goals of the Lula government and I think you did it quite successfully at the Ministry of Culture. But as an architect I often find the IPHAN to be extremely conservative. How could we turn the IPHAN closer to Lina Bo Bardi (her emphasis on the vernacular) and less the elitism of Lucio Costa.


Gil fired up, his response, literally transcribed:


Gil: A battle… an epic battle…. If there is one thing that I can see that I was not able to really face, is the heritage institutions in Brazil. Which are so ossified. They are “casta”. They are a corporation. I mean, they are so reactionary! Maybe if a bomb falls there! Oh God, destroy them so we can have an empty ground in order to rebuild things. They are so self-centered… It’s impossible. We tried open dialogues but we succeeded very very little….


Thank you Gil, you said it all.

Monday, March 22, 2010

diálogo de surdos / deaf dialogue

hoje é dia mundial da água mas meu post curtinho é sobre um problema ainda mais urgente: o extremismo.

ontem a noite enquanto aguardava o voto histórico dos deputados norte-americanos pela reforma do sistema de saúde, fiquei impressionado com a absoluta ausência de sentido do debate que se desenrolava. Deputados da oposição conservadora e da situação menos-conservadora-um-pouquinho alternavam falas de 1 ou 2 minutos cada. Um falava das 40.000 pessoas que morrem todos os anos nos EUA por simples falta de seguro de saúde. Vinha outro e berrava contra o socialismo. Um falava que é absurdo ter gravidez como condição pré-existente para negar pagamento. O próximo bradava a favor da “liberdade” de não ter plano nenhum. Cientes de que seu momento no microfone será editado e tirado do contexto para ser usado na próxima campanha, cada deputado fala só para a sua base. Um diálogo (ou dois monólogos) totalmente esquisofrênico.

a direita, como bem escreveu Paul Krugman hoje, insistindo no discurso do medo para não mudar nada. E o pior é que isso cola. Aqui mesmo, neste blog insignificante, tive de colocar moderação nos comentários porque pela segunda vez alguém que não concorda com as minhas idéias apela para o ataque pessoal.

triste o momento em que o debate de idéias não se sustenta, nem aqui nem no congresso da mais antiga democracia do mundo.




today is the world water day by my post is about an even more urgent problem: extremism.

yesterday night as I waited to watch the historical health care vote, I was deeply disturbed by the “debates”. A democrat would say that 40,000 people die each year for lack of health insurance. A republican would claim socialism! Another democrat would say that pregnancy could never be a pre-existing condition. A republican would defend the freedom to have no plan at all. Knowing that their moment in the microphone would be edited to be re-played in the Fall campaign, each group was speaking to its own base.

the result was a schizophrenic dialogue. Or two monologues ?

the conservatives, as Paul Krugman wrote today, have no contribution besides fear. And it works, unfortunately. Here in this very insignificant blog I installed comment moderation because for the second time someone who does not agree with my ideas decides to attack me personally.

sad is the moment in which a true exchange of ideas cannot be sustained, nor here, nor in the oldest of the democracies.

Monday, March 15, 2010

aguas de março /waters of march

o verão brasileiro vai acabando mas as chuvas ainda se fazem presentes. Semana passada dois videos chamaram muito a minha atenção. O primeiro enviado pelo Pedro Marteletto mostra o baixo gávea inundado exatamente ao mesmo tempo em que eu falava em New Orleans que temos um Katrina todos os anos na América Latina. O segundo enviado pelo Low Cançado mostra um absurdo desperdício de água. Imagens que valem mais do que mil palavras.







the Brazilian summer is fading but the rain insists. Last week two videos called my attention. The first was sent by Pedro Marteletto and shows a fancy part of Rio flooded exactly at the same time that I was speaking in New Orleans about the fact that we have destruction equivalent to one Katrina every year in Latin America. The second was sent by Low Cançado and show an absurd waste of water. Images worth a thousand words.

Monday, March 8, 2010

a história se repete como farsa / history repeating as a farce



acabei de chegar de New Orleans onde fui falar que na America Latina temos o equivalente a um Katrina todo ano, e foi bom ver a cidade vibrante, bem melhor que a 3 anos atrás.


entender os limites da arquitetura perante a natureza é fundamental para percebemos o que podemos e o que não podemos fazer através do desenho. Mas pior que errar por prometer demais ou prometer de menos é errar por insistir num conceito ultrapassado e enterrar milhões numa obra errada em todos os sentidos.


pois foi isso que fez o popular governador das Minas Gerais. Errou feio e deixa um trambolho como legado da sua administração. Começando pela decisão de criar um campus administrativo a 15 km do centro, idéia que já foi testada antes na Bahia e no Paraná com resultados pífios. No momento em que centenas de edifícios no centro de BH tem ocupação de 20% (loja e sobre-loja valorizados, o resto vazio), o governo do estado estimula o esvaziamento ao transferir dezenas de milhares de funcionários dalí. Apesar de ser a favor da transformação da Praça da Liberdade em equipamentos culturais (não acredito que prédios com segurança controlando a entrada possam ser mais públicos que um museu ou uma sala de concertos), a decisão de mudar a administração estadual para longe do centro é um erro que vai causar muito dano a BH (deslocamento, esvaziamento, isolamento) e vai demorar muito para ser amenizado.


outro erro grosseiro foi chamar Oscar Niemeyer para o projeto. Prezados colegas oficiosos, ninguém avisou o governador que a idéia era furada? Qualquer arquiteto decente sabe que o genial velhinho não tem equipe há décadas. Mas no centro administrativo de MG ele bateu todos os recordes: fachadas envidraçadas para nascente e poente, volumes primários, pé-direito de 2,40m em algumas partes. Dois anos atrás eu tive a chance de ver os desenhos que a construtora recebeu de Niemeyer e fiquei chocado com o nível primário das plantas e a absoluta ausência de detalhes. Tenho pena de quem vai trabalhar lá.


em resumo, na ânsia de se fazer o JK do século 21, Aécio Neves conseguiu fazer a história se repetir como farsa.



I Just got back from New Orleans where I spoke about the tragedy of having the equivalent of one Katrina every year in Latin America. It was good to see the city vibrant again, very different from the last time I was there 3 years ago.


to understand the limits of architecture is fundamental for us, to know what we can and what we cannot achieve from drawings. But much worse than promising too much or too little is to insist on a antique idea and bury millions on a project that is wrong in every count.


unfortunately that’s what the governor of my beloved Minas Gerais just did. His decision of creating an administrative campus 10 miles from downtown, something already deemed as a failure, was bad at the root and bad all the way. In times in which hundreds of downtown buildings are only 20% occupied (storefronts only mostly), the state government makes it worse by transferring 12.000 employees to this campus: that means more congestion, more abandonment, more isolation.


the second big mistake was to invite Oscar Niemeyer. I wonder why nobody in the governor’s circle told him what we all know: that the genial centennial has no team in the last 2 decades. And in this project he might have done the worse job of his long and productive life. Glass facades facing east and west??!!! Ceiling heights of 8ft in many rooms??!!! Two years ago I had the chance to see the drawings he delivered and I was chocked with how poorly detailed and undeveloped the plans were. I have pity on those who will work there.


in summary, anxious to become the Kubitcheck of the 21st century, Aécio Neves made history repeated as a farce.

Monday, March 1, 2010

walls

na semana passada a escola de direito aqui do Texas promoveu um seminário interessantíssimo sobre “walls”. Vale perceber que em inglês o termo serve para parede, muro, cerca, além de ser usado metaforicamente para significar tudo que nos divide e separa.


pois entre tantas apresentações fascinantes que discutiam desde as favelas até a política de imigração da união européia, passando claro pelas fronteiras EUA-México e Israel-Palestina, uma pergunta maior se desenhou:


parece que concordamos que as paredes em torno de uma família são extremamente necessárias, mas que qualquer parede em torno de um grupo maior é problemática. Em algum ponto na modernidade entendemos que a célula familiar tem direito absoluto a privacidade mas qualquer outra associação não. Se assim for, como lidar com grupos em que a noção de família implica um grupo maior que pais e filhos, ou com associações que se vêem como famílias estendidas.


em resumo, como saber quando as paredes estão protegendo ou quando estão excluindo?



last week the Law School here in Texas promoted a very interesting seminar on “walls”, meaning everything that divides us. Among many fascinating presentations that run from the favelas to the EU immigration policy, from US-Mexico to Israel-Palestine, one major question emerged:


we tend to agree that walls around a family are needed but any wall around a larger group is problematic. Somewhere on modernity’s course we understood that a family cell has absolute rights to privacy but other associations do not. If that’s the case, how should we deal with groups in which the idea of family goes beyond parents and children, or associations that see themselves as a extended family?


in summary, how can we know when a wall is protecting and when it is excluding?