Wednesday, March 28, 2007

Viva lord Rogers

Assim como Paulo Mendes da Rocha no ano passado, o Pritzker Prize de 2007 vem tambem um pouco atrasado mas nao menos merecidamente para Richard Rogers.
Como eu ja escrevi sobre lord Rogers abaixo, fica aqui so minha nota de satisfacao.
A proposito, em artigo no NYTimes, Rogers divide o credito com os outros 100 arquitetos que trabalham em seu escritorio e diz nao entender como arquitetos conseguem pensar em suas obras como acoes individuais. Bravo lord Rogers!

Tuesday, March 27, 2007

de preconceitos e desperdicios

Sexta passada fui falar sobre meu grupo de pesquisa no Atlantic Seminar Series aqui em Michigan. O que a gente tem feito eh comparar apartamentos de varios lugares do mundo pra saber se sao mesmo muito parecidos ou onde moram as diferencas. No caso brasileiro, alem do famigerado quarto de empregada que vai aos poucos desaparecendo, persiste a ideia de que todo apartamento deve ter duas portas, uma abrindo pra sala e outra pra cozinha, ainda que lado a lado. Ca entre nos, nao existe razao nenhuma para se gastar com duas portas lado a lado, abrindo pro mesmo hall, alem da ideia de que algumas pessoas merecem uma porta e outras merecem outra porta… fica aqui meu protesto


Sunday, March 25, 2007

de desertos e labirintos

A arquitetura se faz na busca do homem de estabelecer referências no espaço. Necessidade básica da humanidade, a referência espacial vem se juntar como estrutura à referência da linguagem e constituir todo o alicerce da experiência humana. Desde os primeiros tempos o homem tentou fundar no espaço um espelho de sua organização social. Ítalo Calvino, em “As cidades invisíveis”, disseca estes pequenos fragmentos da experiência urbana manipulando um a um os conceitos de sociedade materializados pelo homem no seu habitat natural, a cidade.

Em um dos pequenos textos, Calvino nos conta de uma cidade que vivia em obras, escondida por tapumes e andaimes, e cujos habitantes temiam tanto a destruição que nunca terminavam a construção. Se indagados sobre o sentido de tal infindável obra, se indagados sobre o plano que os orientava, sobre o projeto, nada respondiam. Se diziam muito ocupados e que se esperasse o fim da jornada de trabalho para obter a resposta. “O trabalho cessa ao por do sol. A noite cai sobre os canteiros de obras. É uma noite estrelada. - Eis o projeto - dizem.”

Mas ainda antes de espelhar na superfície terrena uma complexa ordem cósmica, enquanto investigavam e inventavam tal ordem celeste, o homem marcou no espaço suas referências, seu território, e a partir daí desenvolveu todo um sistema espacial que se complicava à medida em que também se desenvolviam suas regras sociais. A partir então da arquitetura como referência, tomemos as duas imagens literárias de Borges como extremos conceituais desta arquitetura. O Deserto, a ausência de referência, a pré-arquiteutra; e o Labirinto, o excesso de referências, a pós-arquitetura.

Na periferia das grandes cidades brasileiras, o deserto toca o labirinto. No inacabado que já é ruína dois estados temporais se encontram. Não há dimensão temporal, apenas o infinitésimo instante que separa passado e futuro. Duas realidades se encontram. No deserto, o significado está no solo, na sobreposição das camadas de tempos e espaços passados, silenciosamente decantados e residentes à espera de alguém que os escave e decifre. No labirinto, o significado está na atmosfera, na virtualidade vertiginosa do mundo da redundância, do excesso de referência, da fantasia obscena da televisão, flashs de sons e imagens seqüenciais. Na periferia das grandes cidades brasileira o deserto de Borges encontra o Labirinto de Borges, num movimento contínuo e circular, “que tercamente se bifurca en otro...” e constrói um sentido próprio, de identidades e alteridades, de simplicidade e complexidade, de rastros no solo e fantasias virtuais. Um encontro entre instantes distintos do primário instinto de comer com o impulso frenético de consumo, um satisfazendo e gerando o outro. Fim da linearidade, não há portas que forçar nem escadas que subir neste labirinto desértico sob o sol escaldante que reflete tijolos crus e antenas parabólicas. Tudo ao mesmo tempo agora, o espaço é só uma superfície entre qualquer passado e qualquer futuro.


Sunday, March 11, 2007

Lord Rogers

Confesso que tenho muita preguiça de quem faz questão de acrescentar duas ou três letras antes ou depois do nome. Mas ontem em Philadelphia Richard Rogers provou que faz jus ao titulo de nobreza que lhe deu a rainha. Falando para uma platéia de professores de arquitetura, Rogers conseguiu ser ao mesmo tempo delicado e brutal. Delicado na sua forma de encarar a arquitetura, sem exageros conceituais e também sem glorificar o próprio processo criativo. No projeto do novo aeroporto de Madrid por exemplo, a preocupação com a luz natural se faz presente em um programa que normalmente não deixa espaço para gentilezas. Mas ao mesmo tempo ao se referir à destruição da urbanidade já explorada em “cidades para um pequeno planeta” e ao desafio corrente de buscar um urbanismo e uma arquitetura sustentável, Rogers foi brutal como demanda a urgência do tema.
Mas o mais interessante da palestra de Richard Rogers não veio de nenhuma nova espacialidade (como no Pompidou, 1971) ou novos arranjos materiais (como no Loyds de Londres, 1989) nem tampouco do movimento inovador e corajoso de usar cores do arco íris como referencia no aeroporto de Madrid (2006). O mais poderoso dos slides mostrados por Rogers não tinha nenhuma imagem fotogênica mas sim um parágrafo retirado do estatuto do escritório Richard Rogers Partnership.
Em busca de uma relação mais equilibrada e justa com o mundo e com os próprios funcionários Rogers transformou seu escritório em uma instituição sem fins lucrativos na qual o diretor (ele mesmo) ganha no máximo 6 vezes mais do que o mais junior dos arquitetos, e não aceita trabalhos para a industria bélica ou fabricantes de armas em geral. Belo exemplo Lord Rogers, que seja seguido por muitos.

Saturday, March 3, 2007

new orleans, 18 meses depois

A arquitetura se torna mais visível quando falha. Foi essa a premissa do trabalho que apresentei na Louisiana State University na semana passada. Quando por uma ou outra razão a rotina é interrompida e a necessidade de abrigo se faz urgente, a arquitetura passa de pano de fundo para protagonista principal. Como o seminário estava meio chato, aluguei um carro e fui dirigir por New Orleans na sexta-feira. E achei a premissa acima mais verdadeira do que nunca. Quando por qualquer motivo nos falta um teto, vem a tona nossa fragilidade como espécie. Não somos mesmo feitos para viver sem paredes e telhados a nos proteger de toda espécie de intempéries. O que vi nos bairros de classe media baixa de New Orleans foi uma teimosa e talvez inglória luta pelas referencias, pelas memórias, pela cidade. As ruas em melhor estado tem dezenas de trailers da FEMA (agencia norte-americana de auxilio) estacionados em frente das casas. São nos trailers que agora vivem as famílias enquanto trabalham na recuperação de suas casas. Construídas em madeira com paredes de estuque (antigas) ou dry-wall (recentes), estas residências são muito mais sensíveis a umidade que nossas casas de tijolo e concreto. O processo de recuperação levara anos mesmo no caso das famílias com emprego estável e sem nome do SPC (que nos EUA se diz credit history). As ruas em pior estado nem trailers tem, indicando que os moradores não voltaram. A cidade que tinha 450 mil habitantes em agosto de 2005, agora tem pouco mais de 200 mil. Mesmo no elegante garden district o bondinho ainda não funciona e varias lojas estão fechadas com folhas de compensado no lugar das vitrines. O cenário é por um lado desolador e por outro lado inspirador. O que mais vi em New Orleans foi gente carregando material de construção em camionetes, dispostos a reconstruir a cidade, reconstruir a vida. Quando o abrigo dos diques falhou, ficou exposta a cruel desigualdade que se escondia nas áreas "inacessíveis" da cidade. Nas palavras de um arquiteto local, foi preciso uma tragédia de tais proporções para que os erros, de todos os níveis, aparecessem. O tecido social já poído e esgarçado se rasgou de vez como vi registrado no grafite: “se entrar eu atiro”. No caso brasileiro, temos pequenas enchentes todos os dias entre novembro e marco. Morrem um, dois, vinte, cinqüenta todo ano. Voltarei a escrever sobre a responsabilidade de cada quintal e cada estacionamento nas nossas enchentes urbanas.