Friday, January 30, 2009

depois da Florida

na rotina acadêmica as conferências vão ficando muito parecidas umas com as outras e nem sempre são muito produtivas ou provocantes. Mas os últimos dois dias na University of Florida reforçaram a minha certeza de que elas são importantes e quando bem montadas são uma oportunidade fundamental para a troca e a disseminação de idéias.

com tantos amigos presentes (Vicente Del Rio, Monica Haddad, Clara Irazabal) era grande a tentação de ficar nos corredores, mas as sessões montadas pela equipe de Joseli Macedo (que eu adorei conhecer e faz um trabalho exemplar na U Florida) me seguraram e eu fiquei ligado em várias apreentações. Ann Varley da UCL-London fez um ótimo arrazoado conceitual sobre os exageros envolvendo os trabalhos sobre favelas atualmente no mundo. Viviane Frost da CDHU-SP mostrou um belíssimo trabalho na vila Pantanal cujos dados significativos da redução da criminalidade batem com os da Prefeitura de BH no aglomerado da serra.

é também louvável a iniciativa do grupo Terra Nova que trabalha a regularização fundiária fazendo negociação direta entre os antigos proprietários e os ocupantes de áreas urbanas irregulares. Eu tenho várias restrições ao argumento de Hernando de Soto de que o título de propriedade gera inserção econômica, ou alguém acha que as Casas Bahia vão baixar os juros embutidos se o comprador mostrar a escritura do barraco?

mas o trabalho do Terra Nova tem vários benefícios, ajuda a comunidade a se organizar, dá ao morador a idéia de que ele pode resolver o problema por si mesmo, sem depender do governo e abre canais com o poder judiciário para uma camada da população que nem sonha em entrar com uma ação de regularização quanto mais conseguir o registro legal do imóvel.

a nota baixa ficou para Saskia Sassen e Alan Gilbert que fizeram duas das palestras principais com boas apresentações mas sem trazer nada de novo. E a decepção da conferência foi o outro keynote speaker, nosso curitibano Jaime Lerner. Com imagens arquitetônicas mal desenvolvidas e um discurso cheio de chavões parecendo auto-ajuda, Lerner foi embaraçoso e ainda cantou até rap no final, parecia que estava falando para adolescentes de Curitiba. Mas Lerner é um mito e mitos atuam em um outro plano, que o diga Niemeyer, nosso mito maior.

e pra fechar dois dias muito bem aproveitados a Hertz me deu um Toyota Prius pra dirigir entre o aeroporto de Orlando e o campus em Gainesville. A maquininha híbrida de dois motores, um a gasolina e um elétrico é mesmo genial. Silencioso, preciso, confortável e muito, mas muito econômico. No total eu rodei mais de 430km, quase sempre a 120 por hora, e o Prius consumiu 15.2 litros de gasolina, ou seja, fez mais de 28 km por litro de gasolina!

Wednesday, January 28, 2009

penetráveis

enquanto a neve cai forte lá fora eu parto hoje para a University of Florida (se o vôo sair) onde vou apresentar amanhã o trabalho do Studio Toró na favela do acaba-mundo em Belo Horizonte.


com palestras do Jaime Lerner e da Saskia Sassen a conferência promete ser muito interessante.

mas entusiasmado mesmo eu estou com o trabalho do nosso Studio que este semestre continua trabalhando no Acaba-Mundo.

num primeiro momento, buscando uma abordagem artístico-sensorial, os alunos tiveram 10 dias para construir um “penetrável”, usando no máximo 20.00, inspirado na obra de Helio Oiticica, claro.

ontem a tarde os penetráveis foram usados para pequenas invasões de terra, sendo montados em diferentes espaços (públicos e privados) do prédio da arquitetura aqui em Michigan. As reações foram as mais diversas, da celebração à irritação passando pelo inevitável e-mail desesperado do chefe da manutenção.


seguem algumas imagens









Friday, January 23, 2009

coitada de Brasilia


o Max me chamou a atenção para este debate que anda esquentando as conversas em Brasília e eu faço minhas as palavras de Sylvia Ficher: Coitada de Brasília.


quando Oscar Niemeyer escreve como fez hoje no Correio Brasiliense que tem “o direito e a obrigação” de desenhar o que quiser em Brasília, a cidade, coitada, só tem a perder.

Niemeyer foi genial dos anos 30 (quando ele era na minha opinião o melhor arquiteto do mundo) aos anos 50 enquanto teve uma excelente equipe. Infelizmente, como bem observou Ourosoff por ocasião do centenário do mestre, teve a chance de viver o bastante para danificar a própria obra.

o projeto do Centro Administrativo do Estado de Minas Gerais por exemplo é ruim na concepção e mal projetado a ponto de causar tristeza. Pergunte a qualquer um que trabalhe na obra sobre a falta de detalhes, ausência de coordenação entre projetos complementares e flagrantes erros de orientação solar e funcionalidade.

e se ainda fosse uma forma elegante....

mas o mais triste mesmo, na falta de melhores argumentos urbanísticos e arquitetônicos , é ver o mestre do alto de seus 101 anos bradar que tem o direito e a obrigação de conceber e propor a praça.

desculpe mestre Oscar, com todo o respeito que lhe é devido, você não tem nem um nem outro, a cidade não lhe pertence desde 21 de abril de 1960.

sobre o debate ver textos de Sylvia Ficher, Fred Holanda, Carlos Henrique Magalhaes e a resposta do próprio Niemeyer.

ps: e parabens ao MDC (leia-se Danilo) por apoiar o debate.




Wednesday, January 21, 2009

viva a matemática





até pouco tempo atrás o discurso dominava a cena da arquitetura de vanguarda, era tudo idéia, narrativa, conceito. Em algum momento entre o final dos anos 90 e os primeiros anos do novo século a coisa mudou.

Stan Allen, diretor da escola de Princeton (Meca da teorização até então) esteve aqui uns anos atrás e proclamou que esse tal discurso crítico estava morto, a novíssima arquitetura agora lidava diretamente com a prática (o que ele chamou de critical practice em oposição ao momento anterior denominado critical discourse).

ferramentas digitais de projetação e fabricação são o bicho. Mesmo que as casinhas “pré-fabricadas” de Bill Massie custem 7.500 dólares por metro quadrado e existam sejam por enquanto únicas, é isso que atrai hoje os melhores alunos.

de volta à prancheta (sim ainda temos prancheta mas nem sinal de réguas paralelas ou esquadros) estão números, scripts, geometrias, padrões. Volumes intricados repetidos ad nauseum, parametric modeling, superfícies distorcidas moldadas em concreto com forma de isopor cortado a laser.

ainda não sei direito onde vai dar esta estrada mas celebro a volta da materialidade, da matemática e da lógica nos processos de investigação espacial.

como na poesia de Arnaldo Antunes, as coisas tem peso, massa, cor, textura,

falta encontrar a paz.

Sunday, January 18, 2009

menos 25!!!!



incrível como a gente se acostuma com qualquer coisa. Depois de uns 10 invernos em Michigan (1996-2000 e 2004-2009) eu achava que o frio não me incomodava mais. Claro que o inverno é longo e quando chega Março ninguém mais agüenta por e tirar casaco, luvas, cachecol, gorro, botas....


mas essa semana foi dura, parece que o inverno resolveu bater forte pra gente não se esquecer dele. Entre quarta e sábado as temperaturas máximas (às duas, três da tarde) ficaram abaixo de -10 graus centígrados e com as madrugadas batendo em -25. Na sexta as escolas públicas fecharam porque seria perigoso para as crianças pequenas ficarem esperando o ônibus na calçada, mesmo encapotados da cabeça aos pés.

e quando eu saí para trabalhar aconteceu uma coisa que eu nunca tinha experimentado, meu carro não virava o volante. Acontece que quando se anda nas ruas com resto de neve vai se formando um bolo atrás das rodas, igual quando se anda na lama. Este bolo entre a lataria e o pneu normalmente é macio como a neve (e sujo como o asfalto) mas na sexta-feira de manhã este bolo estava duro como pedra. Depois de limpar a calçada e a rampa da garagem, eu entrei no carro, dei ré até a rua e não consegui virar, o pneu estava travado por essa pedra de gelo e ainda bem que funcionou como um freio senão eu teria ido reto La no meio da rua. Voltei pra minha rampinha, peguei um pedaço de pau e quebrei o gelo atrás das rodas dianteiras pra poder dirigir normalmente.

meus amigos se derretendo nas praias em pleno janeirão, não reclamem do calor, por favor.
ps: o amiguinho da foto foi feito quando a temperatura ainda estava so' dois graus abaixo de zero.

Tuesday, January 13, 2009

a que ponto chegamos!

esta semana está acontecendo o Detroit Auto Show e apesar de todos os problemas com as montadoras americanas o show daqui continua sendo importante para medir o pulso da industria. Esse ano a conversa é toda sobre carros elétricos, baterias e etc…

mas quem roubou a cena mesmo foi o chefào da GM, Rick Wagoner. Perguntado sobre como anda a vida depois do socorro governamental, Wagoner disse que a vida anda bem difícil, ele não pode mais ficar em bons hotéis, não recebeu nada de bônus no ano passado e nem pode mais usar o jato da empresa, tendo de enfrentar até fila no aeroporto…

assim fica até fácil para a concorrência alemã e japonesa fabricar carros melhores.

Sunday, January 4, 2009

quem tem medo da pré-fabricação?



a capa da revista Dwell deste mês traz Bill Massie e sua casa de Crambrook, já resenhada aqui no Parede em outubro passado. A Dwell no entanto reforça todos os problemas que eu percebo quando a elite arquitetônica (ou a arquitetura elitista) tenta se apropriar dos processos de fabricação em massa.

o título do artigo “Massie Produced” , já faz o trocadilho com o nome do arquiteto e a tão temida idéia de mass-production que tanto assusta os arquitetos.

e cabe aqui perguntar porque? porque a idéia de produção de edifícios em escala industrial assusta tanto?

em pleno século XXI, depois de um século de Fordismo, me parece ilógico pensar que a produção em série é um fantasma ameaçador que venha a destruir a arte e a magia da arquitetura. Tudo bem que os Fords e Fiats da nossa era não tem lá nenhuma magia, mas os Audis, BMWs e Lexus são fabricados com a mesma lógica, só que com mais capricho. Exclusividade e artesania mesmo ficam por conta das Ferrari e Lamborghini que ninguém em sã consciência proporia como representantes do futuro da industria automobilística.

acontece que na arquitetura se passa justamente o contrário. Me lembro de uma conversa com Charlie Lazor, criador da Flatpack house, em que um colega insistia em colocar um limite onde a produção das casas deixaria de ser arquitetura. “Com 10 casas por ano você ainda pode dizer que faz arquitetura, mas quando chegar a 100, 200 casas seu trabalho passa a ser industralização”, dizia o tal colega. E Lazor, muito apropriadamente respondia: mas se as casas são todas desenhadas pelos mesmos arquitetos e construídas com o mesmo sistema construtivo desenvolvido por nós, porque elas seriam arquitetura se fizermos 10 e deixariam de ser arquitetura se fizermos 200?

não preciso dizer que eu concordo em número e grau com Charlie Lazor. Esta obsessão com a exclusividade e com a originalidade nos impede de alçar vôos mais altos e cumprir um papel muito mais relevante na sociedade.

o artigo da Dwell sobre a casa de Massie por exemplo explica todo o projeto de fabricação (que de produção em massa não tem quase nada) para argumentar que se trata de uma edificação única, uma peça de design by Massie com o precinho de 750.000 dólares.

não sei que tipo de produção em massa é essa? Para mim me parece muito mais uma peça de alta costura cujo valor, inquestionável, está na investigação e experimentação ali investidos.

o que me incomoda mesmo é o fato de que enquanto Lazor é descartado como não-arquitetura, o modelo de alta-costura de Massie e cia se faz cada vez mais dominante. E segundo este modelo os arquitetos vão seguindo a sina dos alfaiates: enquanto uma meia dúzia se torna gênio da alta costura, milhares se tornam operadores de máquinas em Bangladesh, Hanoi ou Shanghai.