
uma honra enorme estar aqui nesta sexta-feira abrindo o congresso da ACFA (Asociacion Colombiana de Facultades de Arquitectura) com Beatriz Colomina e Felipe Hernandez
no início do ano quando foi inaugurado o Centro Niemeyer em Avilés, comentei com um colega que dada a situação da Espanha aquilo ia fechar antes do genial velhinho partir pra próxima. Imaginava claro que Niemeyer irá viver até os 110, 115, mas quis a sorte que o tal centro fosse fechado após 6 meses apenas.
custou 44 milhões de Euros (120 milhões de reais) para ser usado por 25 semanas!
a notícia me anima e navegar por outros exercícios de futurologia então apertem os cintos porque a partir de agora estamos entrando no território da ficção, por mais familiar que tudo se pareça.
começando pelos Niemeyers recentes da minha cidade natal:
o Centro Administrativo do Estado de Minas Gerais foi demolido hoje, 23 de abril de 2017, pela justiça. Desgastado de tanto bater em professoras o PSDB local se desintegrou, metade foi pro PSD do Kassab apoiar Lula em 2018 e a outra metade voltou pro DEM (agora rebatizado UDN) de onde nunca tinha mesmo saído. O governo do estado foi outra vez rifado na campanha federal de 2014 e as alterosas elegeram o governador Quintão com Jô Moraes de vice. O acordo dos dois, repetido exaustivamente durante a campanha foi de que o estado ia privatizar tudo pra pagar o piso salarial dos professores. Quintão ainda tentou se safar do piso salarial mas a vice governadora é brava e mandou pagar os 1000 reais do piso, não confundir com o salário do servente de pedreiro que ganha 1000 reais por casa 10 m2 de piso assentado. Acontece que ninguém quis comprar aquele elefante branco do Centro Administrativo, com pé direito de 2,65m e fachadas ao nascente e ao poente. Sem compradores, o prédio abandonado foi interditado pela justiça e finalmente demolido, um dia depois de o governador e o bispo darem mais uma medalha ao arquiteto pelos seus 110 anos.
o bispo ainda pensou em comprar o Centro Administrativo e transformá-lo em um enorme asilo. Isso salvaria tanto o edifício quanto a catedral construída do outro lado da estrada. Quando faltou dinheiro o bispo mandou terminar a catedral de qualquer jeito e por pouco não temos outra tragédia como a da Gameleira. Mas sendo a forma uma cúpula achatada sem janelas (ou qualquer outra forma de ventilação) as lajes resistiram quando os tratores arrancaram as estacas. Quem não resistiu foram os fieis que dada a idade media de 72 anos começaram a desmaiar um atrás do outro quando a temperatura interior chegava aos 43 graus. A princípio o bispo pensou que eram de êxtase os desmaios mas o resultado foi uma igreja cada vez mais vazia. A solução foi vender o discão (apelido da catedral sem a torre esdrúxula) para Cruzeiro e o Atlético fazerem ali o clássico mais tradicional da segundona.
esqueci de dizer que o Mineirão foi privatizado logo depois da copa e agora só serve como centro de eventos, micaretas e bênçãos milagrosas, sua infra-estrutura gigantesca absolutamente inviável para a pobreza do futebol mineiro.
saturado pela discussão superficial e sensacionalista da mídia você neste parágrafo está pensando que este é mais um texto eco-chato sobre o modelo de ocupação das encostas, a política habitacional ou a incompetência do poder público.
nada disto. Como eu acabei de voltar de Cingapura, gasto hoje este espaço para refletir sobre os limites entre o poder de intervenção do estado e os direitos individuais.
uma das coisas que mais me assustou em Cingapura foram arquitetos e sociólogos, todos professores universitários com pós-graduação e experiência internacional, defendendo o modelo de democracia de Cingapura. Para quem não conhece, Cingapura tem partido único, imprensa controlada e um governo que regula e policia absolutamente tudo. Os casos mais famosos são os de chicotadas públicas por cuspir na rua ou multa por não dar descarga nos banheiros públicos. Numa outra conversa assuntos mais mundanos de arquitetura perguntei ao presidente do Instituto de Arquitetos de Cingapura se eles não tinham problemas de dilatação ao usar cerâmicas nas fachadas, caso típico de cidades tropicais como nós bem sabemos. A resposta dele: o código de obras especifica quais cerâmicas e quais argamassas podem ser usadas para cada tipo de edifício dependendo do tipo de estrutura, altura e exposição solar.
agora que nome damos a este tipo de relação público - privado? Capitalismo super-regulado? Fascismo pragmático? Exagero de zelo pelo bem comum? Mega big brother? Cingapura recebe tanta chuva quanto Manaus, 70% mais do que a media do sudeste brasileiro e o nível de planejamento é tanto que os arquitetos não estão nem um pouco preocupados com mortes decorrentes de enchentes e desabamentos. Estão preocupados em garantir que uma cerâmica 10x10 não despenque do 18o. andar.
a pergunta que andamos evitando no caso da tragédia da região serrana é que tipo relação com o estado nós queremos. Estamos dispostos a apoiar um estado que remova milhares de pessoas das regiões de risco e cobre impostos suficientes para prover infra-estrutura para estes mesmos milhares? Ou preferimos um estado que apenas policie e deixe para o mercado oferecer habitação de qualidade. Neste caso, estamos dispostos a pagar um salário mínimo de R$ 1500.00 que garanta a todos a possibilidade de pagar R$ 600.00 de prestação ou aluguel? Estamos dispostos a apoiar um estado (ou um CREA ou um CAU) que efetivamente fiscalize os afastamentos, áreas totais e taxas de permeabilidade?
nós que trabalhamos todo dia com a aprovação de edifícios e loteamentos estamos dispostos a defender as leis que os regulam diante dos clientes que perguntam se dá pra aprovar assim ou assado? Estamos dispostos a ir lá com a policia explicar os riscos da ocupação e exercer a interdição se necessário? Como, se não damos conta nem de explicar na reunião de condomínio que a varanda o pilotis não podem ser fechados com blindex.
o exemplo de Cingapura me parece sim extremo e autoritário, mas o nosso modelo de jeitinho para os amigos e leis para os inimigos está falido, enterrado debaixo de toneladas de lama em Ilha Grande, Angra, Teresópolis, Friburgo e onde mais chover. Estaremos dispostos a assumir responsabilidade coletiva por um modelo de espaço construído que não implique riscos de destruição em massa.
lá se vão 10 anos. Em 2000 eu fiz um workshop com os alunos da PUC-Minas procurando maneiras alternativas de se pensar e desenhar o espaço público. A idéia era termos workshops de “aquecimento” todo ano, em agosto em Minas e em janeiro em Michigan, aproveitando que as ferias de uns coincidiam com o início do semestre do outro.
viramos o milênio e nenhum professor da PUC se interessou em vir a Michigan mas cinco bravos alunos enfrentaram a neve para participar do segundo workshop em Detroit. Luciana Thomaz, Pedro Doyle, Gabriel Veloso, Marcelo Palhares e Luiz Felipe de Farias enfrentaram temperaturas de 10 graus negativos (e também se divertiram na neve) para redesenhar a praça central da Lawrence Tech University, diante de um edifício novo projetado por Charles Gwathmey, o menos famoso dos New York Five.
até ai nada de mais, se não fosse o fato de que Marcelo, Gabriel e Luiz Felipe abriram um escritório: Horizontes, assim que se formaram. Hoje Horizontes é líder em arquitetura pública em Minas Gerais, com vários prêmios e projetos no currículo. Eu, que nas minhas andanças tive a chance de passar várias vezes pelo caminho deles, tenho o maior orgulho de fazer parte desta história.
que venham a próxima década!