Monday, February 11, 2008

estágio é acumulo de experiência ou exploração de mão de obra?

a conversa sobre os vários modelos de licença profissional continua animada neste blog e achei que seria interessante continuar o debate com a pergunta acima: para quê mesmo serve o estágio?

cabe lembrar que durante milênios, a arte de construir foi transmitida de geração para geração justamente através da idéia do estágio. Aprendia-se trabalhando como aprendiz na obra (até a idade media) ou no atelier de um mestre arquiteto, depois que a renassença de Alberti nos transformou em ofício intelectualizado e separado do canteiro.

foi só no século 18 que os franceses liderados por Durand começaram a sistematizar o conhecimento da arte da composição arquitetônica cujo resultado maior, poderia argumentar com a licença poética que um blog me confere, foi o ecletismo do século 19. Mas mesmo Frank Lloyd Wright, para mim o maior de todos os arquitetos do século atrasado (meus amigos norte-americanos certamente discordarão do atrasado) aprendeu com Louis Sullivan antes de roubar todos os seus clients.

mas enquanto FLW cobrava de seus estagiários em Wisconsin (Taliesin 1)e depois no Arizona (Taliesin 2), em Weimar e depois em Dessau a Bauhaus revolucionava primeiro o ensino e depois a prática da arquitetura ao trazer a experimentação para dentro do processo pedagógico, ao invés de valorizar a repetição de modelos que era a regra até então.

desde então, é como se vivêssemos em um eterno dilema: confiar na sistematização do conhecimento e aprender com os livros (ou com professores doutores de dedicação exclusiva) ou aceitar que arquitetura se aprende fazendo e não pode ser “ensinada” como ouvi tantas vezes.Conhecimento ou prática? Saber como fazer algo ou saber o que deve ser feito?

me parece que nenhuma das opções acima serve para o século 21. Numa sociedade e numa economia absolutamente baseada na informação, seria um contracenso insistir que se aprende imitando os mais velhos. Mas a alternativa de transformar o ensino de arquitetura em uma sequência de textos (a carga horária e consequentemente a importância do projeto vem diminuindo gradativamente) deixando toda a prática para ser exercitada no estágio também não funciona bem. Como todos sabem, existem estágios e estágios. A nova geração pelo menos ficou livre de fazer “formatos” (para quem nasceu na arquitetura depois do Autocad 12, fazer formato é riscar as margens a nanquim em folhas de papel vegetal, a primeira tarefa de todo estagiário até os idos de 1990).

por isso, apesar de todas as distorções, o sistema de licenciamento profissional baseado em uma prova de conhecimentos depois de uns poucos anos de prática me parece o mais equilibrado e justo.

e vocês, o que acham?

14 comments:

Anonymous said...

Tenho minha visão sobre formação profissional. O arquiteto deveria ter uma base forte de teoria e "paralelamente" fazer a pratica, seja aonde fosse, escritorio, prefeitura ou qualquer outra organizaçao. Isso poderia ser em todo o decorrer do curso. A pratica ajuda e muito o estudante a lidar com o mundo "la fora".

Mário do Val said...

Bom, concordo 100% com o que você colocou... mas...

Sabemos que há diversas questões econômicas envolvidas nesse lance de estágio, que vão além de um equivocado regime de ensino.

Por um lado, boa parte dos estudantes precisam do estágio por questões financeiras. Seja para complementar a mesada ou mesmo para se sustentar. Tenho vários colegas que precisam estagiar para fechar as contas do mês. Na real, eles se aventurassem em outros campos de trabalho, menos "elaborados" (vendedor de loja de shopping, por exemplo) teriam mais rentabilidade.

Por outro, os arquitetos muitas vezes não tem como (ou não querem) pagar um arquiteto contratado. Vamos lembrar que contratar um funcionário no Brasil é um processo extremamente burocrático e oneroso que poucas vezes vale a pena. Então encontram no estagiário uma mina de ouro: trabalho barato, que topa tudo e tem vontade de aprender. O problema é que na maioria das vezes a visão empresarial cega a pedagógica ou acadêmica, e o estagiário acaba achando normal a exploração e provavelmente vai repetir a prática quando estiver no papel de chefe.

Gostaria de saber como isso funciona nos nossos vizinhos latino-americanos. Sempre gosto de usá-los como referência ao falar de arquitetura porque tem uma realidade muito mais próxima da nossa do que os EUA, Inglaterra, etc...

Fernando L Lara said...

Mario,
a sua colocacao eh importante. O estagio vem sendo uma forma de viabilizar o escriorio de arquitetura a custo baixo. O problema eh como sair deste ciclo vicioso que faz do baixo valor to trabalho seu diferencial de competitividade. Vou com certeza tentar aprender como funcionam nossos paises vizinhos. O pouco que sei me diz que o caso da Argentina eh ainda mais dramatico, com milhares de recem-formados competindo por estagios com baixa-remuneracao.

e Ricardo,
eu sou muito a favor do curso em tempo integral, intenso, puxado mesmo, com o estagio ficando para as ferias ou para 1 ou 2 anos de intervalo entre a graducao e o mestrado.

Anonymous said...

Pois eh, colegas, a minha experiência de estágio não foi nada agradável, em alguns momentos foi por necessidade financeira, outras por necessidade de completar carga horária e em um raro momento, foi realmente proveitosa, se bem que teve uma “leve” exploração do meu trabalho, mas tudo bem ;) Então, a idéia do estágio pós formado, me parece uma oportunidade, não para “consertar” os casos que relatei acima, mas para mudar o modelo que estamos seguindo, para aproveitar e rever o método de ensino e aprendizagem de arquitetura, e até quem sabe valorizar a nossa profissão. Mas na verdade, uma coisa que me chamou atenção no post de hj (e que acho que rende outro post e debate rsrs) eh o peso da parte teórica sobre a prática no curso de arquitetura. E fica o desafio como conciliar o estágio de um recém-formado (uma mudança necessária!) com todas as outras disciplinas não tão práticas assim? E lembrando que aqui no Brasil o nosso curso é de arquitetura e urbanismo, então como ficaria aqueles alunos que gostariam de seguir a segunda opção (urb) com o peso teórico de suas disciplinas e quase inexistência de oportunidades de estágio nesta área? (prefeituras?! Nem sempre eh a saída, pois os colegas que conheço que estagiaram nesta área foram para calcular IPTU na secretaria de finanças...). Paula Vieira

Anonymous said...

Alias, Fernando, nos EUA o curso eh de arquitetura e urbanismo? Ou são separados? PaulaVieira.

.cleozinha. said...

Ei Fernando,

Acho que essa questão de estágio x faculdade em tempo integral reflete outras discussões de ensino: teoria x prática e o direcionamento dado por universidades públicas x universidades particulares. No final tendo a crer que todos ficam no meio do caminho, não realizando bem nenhum dos lados.
Quanto ao estágio, para mim o maior benefício é estar em contato com pessoas mais experientes, observar como trabalham, buscam soluções para os problemas, lidam os clientes e parceiros, etc. Isso não se encontra ou se adquire por meio dos livros. Durante o curso de arquitetura direcionei os estágios para a área de patrimônio pois sabia que queria trabalhar com isso. Sei que aprendi bem mais sobre a área do que meus colegas. esse conhecimento me foi – e ainda é – muito útil no meu trabalho, mas não foi o suficiente para me deixar segura. Aqui, depois de pouco mais de um ano de casa, ainda tenho que matar um leão por dia... Por outro lado me ressinto de não ter feito estágio em outras áreas da arquitetura, acredito que minha formação tem algumas deficiências grandes. Mas é penoso conciliar o estágio com a faculdade, também, quem mandou o dia ter só 24h, né?

Max Amaral. said...

uma amiga chilena conta que, na época da ditadura do Pinochet, uma das formas que o Estado utilizava para evitar que os estudantes se ocupassem com movimentos políticos era dar a eles uma carga de trabalho absurda.
Os estudantes de arquitetura tinham aulas durante todo o dia e os trabalhos eram extenuantes. Como exemplo, ela contava que uma das tarefas que teve que realizar foi projetar um edifício de 20 andares em Santiago. Só que ela tinha que fazer isso dentro da escola, sozinha, e tinha que apresentar todos os projetos complementares, inclusive estrutura. Ela contou que quase foi reprovada nessa disciplina por que, no cálculo estrutural (dimensionado para um local onde ocorrem terremotos), ela se esqueceu do peso da água dentro da piscina da cobertura.
Não sei se é lenda, invenção dela, mas sempre fiquei impressionado com essa história.
E só depois de passar 5 anos de rigoroso mergulho no mundo acadêmico é que saiam para o mundo lá fora, para estágios em escritórios.

Mário do Val said...
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Mário do Val said...

Eu prefiro não dizer que o estágio é malvado ou que o mundo acadêmico é uma mentira.

A prática pode e deve estar presente na faculdade, talvez com um viés mais "especulativo" (no bom sentido), mas que não deixa de ser prática. Lamento que aquele papo de que projeto é coisa de reacionário ainda reverbere pelas faculdades Brasil adentro. Além do mais, a "teoria" que lidamos na faculdade não é nada sem a prática (dentro e fora dela).

Conciliar estágio e graduação deveria simplesmente não existir, ou tender a isso. O que conhecemos hoje como estágio é algo para depois de graduação, o que não significa que é a formação é binária: faculdade = teoria, estágio = prática. Nada impede que um aluno seja interno de um escritório ou outro "emprego" por curtos períodos (férias, por exemplo), mas desde que isso faça mais sentido na sua formação do que no bolso. É o caso do que oferecem alguns escritórios famosos e seus intership programs.

Me incomoda um certo desdém que alguns colegas nutrem pela faculdade: "você só aprende na prática do estágio". Senão acabamos formando o que um professor meu fala: fazedores de arquitetura. E não arquitetos.

É um debate complexo, porque atrelado a "residência" está a desvinculação da graduação e da titulação e a conseqüente reflexão sobre ensino e mundo acadêmico.

Fernando L Lara said...

uau, voces nao imaginam o quanto eu fico desta discussao estar acontecendo aqui no blog.

eu concordo bastante com o Mario, escola nao eh lugar exclusivo da teoria como estagio tambem nao eh o lugar exclusivo da pratica. Mas seria bom ter mais pratica na escola e mais teoria no estagio, talvez exista um equilibrio ai possivel.

Paula, nos EUA o urbanismo eh exclusividade da pos-graduacao, e como no mestrado de arquitetura, vem gente com formacao de sociologo, economista, engenheiro.

Max, esta historia do Chile eh impressionante mas acho que atualmente as escolas brasileiras estao no extremo oposto do pendulo, um pouco mais de carga de trabalho nao faria mal nenhum

Anonymous said...

Tive um colega do Hawai, fazia faculdade de arquitetura em Honululu, que dizia que em épocas da graduação existia um periodo da própria faculdade somente para estágios. Em um desses períodos ele foi até o Brasil, no escritório em que eu trabalhava, fazer estágio, sem ser remunerado, somente para aprender um pouco mais sobre a prática. Não estou comentando do estágio "não remunerado", minha questão é outra pois, achei muito interessante a própria faculdade ter esses períodos de "férias" próprios para isso. Na volta, ele me dizia que teria que fazer relatórios sobre essa experiência de estágio. Penso que deve ter sido muito bom para ele.

Max Amaral. said...

tive um estudante de arquitetura suiço como estagiário, também. Durante 1 ano, ele "suspendeu" o curso para fazer estágios em diferentes escritórios pelo mundo. Não sei se isso é uma prática na Suíça ou se foi uma decisão pessoal dele.

Fernando L Lara said...

bom, eu confesso que tambem fiz isso, emendei uma greva da UFMG, tranquei matricula por um semestre e fui viajar de mochila, uma experiencia fantastica e me formar 1 semestre depois nao fez a menor falta, a nao ser pelo fato de que nem fui convidado para o baile....

Anonymous said...

Eu, mais do que qualquer um, sei EXATAMENTE a importância do VIVER arquitetura. A arquitetura aprendida na sala de aula não conta com imprevistos, nem com atrasos, nem com nenhum problema. A prática é mais do que saber fazer, é saber o que pode e o que deve acontecer. Filha e neta de dois arquitetos, estudante de arquitetura pela UFMG, numa cidade que não é a minha, eu batalho por um estágio que me experiencia suficiente para isso, sem ter que recorrer aos laços familiares. No entando, me expliquem, POR QUE exigem de um estudante de arquitetura em busca de estágio alguma EXPERIÊNCIA? Não deveria ser o estágio nossa primeira experiencia prática na área? E mais, como se expera de um estudante, de universidade federal dedicação em período integral? Isso é totalmente incontundente a realidade uma vez que não há outra opção de horário para as aulas e os alunos de instituições particulares ficam fora desse perfil.
Bom, estes são os dois maiores problemas que encontro hoje..