esta semana a conversa sobre o uso do termo América Latina esquentou na ReCUA. Dados todos os argumentos a favor e contra o uso do termo, eu acho que o termo já está arraigado no uso corrente, mas me interessa muito mais examinar a arquitetura existente para entender se existe ou não traços comuns a alguns ou a todos os países.
por exemplo, seria o ensino de arquitetura diferente a norte, sul, leste ou oeste do golfo do México? Parafraseando Marcos Barinas, coordenador da ReCUA, nosso ensino é Bauhaus na teoria e Beaux-Arts na prática. O que pra mim se aplica às Américas como um todo e quiça o resto do planeta também.
o que me serve de identidade latino-americana (ou qualquer outro nome que se queira usar) é a materialidade do cimento e do tijolo, absolutamente hegemônica na periferia de todas as cidades ao sul do Texas, enquanto a estrutura em gaiola de madeira (balloon frame) domina todas as áreas residenciais do Rio Grande pra cima.
então é isso, se o termo America Latina tem esqueletos demais no armário, eu sugiro o uso para efeitos arquitetônicos do termo America Cimenteira
this week the debate about the term “Latin America” was intense at ReCUA. I do believe that the term is already rooted in our consciousness but I propose we look at the existing architecture (with minor A on purpose) to look for the existence (or absence) of common threads.
for instance, would architectural education be different whether north, south, east of west of the Gulf of Mexico? Quoting ReCUA’s coordinator Marcos Barinas, our education is Bauhaus in theory and Beax-Art in practice. And that for me applies not only to the Americas but to the whole world.
what does work as common identity to the peripheral areas of all cities south of Texas is the materiality of cement and brick, as opposed to the wooden balloon frame of residential neighborhoods north of Rio Grande.
so if you think that the term Latin America has too many skeletons in the closet (thanks Robert) I propose that in architecture we use the term Cement America.
8 comments:
Concordo.
No ano passado saí de ônibus do Recife para Belo Horizonte, para o ENEA 2009.
O caminho é cheio daquelas cidades cortadas por BRs, todas regiões desprevilegiadas dessas.
Fiquei surpreso ao ver como se pareciam com as regiões em situação semelhante em Pernambuco, único estado onde havia feito viagens rodoviárias até então, antes de "crescer", hehe.
Entramos em BH pela periferia, e não fosse a topografia, forçando a imaginação poderia pensar que estava numa zona pobre de Recife.
Quando voltei pra PE, conheci Cavaleiro (um bairro em Jaboatão que fica numa região de relevo acidentado) e me lembrei do que havia pensado em BH e pensei que a maior parte do Brasil devia ter aquela cara.
Feliz observação a sua, não sei a cara dos outros lugares que os turistas não costumam fotografar pela américa latina, mas o que escreveu reforça o que imaginava.
Abraço
RR,
bem vindo ao Parede. Adorei o zero absoluto. Hoje passei o dia com um pernanbucano fantastico: Fred Holanda da UnB e em agosto proximo estarei na UFPE, já está combinado.
mas voltanto ao assunto, é isso mesmo que você viu nas BRs, a periferia brasileira é puro tijolo sem reboco e concreto mal feito.... e isso se derrama por toda a america latina, do pampa a yucatan.
oi fernando.
criei coragem e postei! faz um tempo que frequento seu blog,desde que você nos visitou aqui em joinville sc.
E vc tem razão, em muitas coisas os países da américa latina são diferentes, mas qdo de fala de arquitetura, a semelhança é notória, principalmente nas periferias, nunca viajei pra fora do país, mas isso já tinha observado nos filmes, é puro tijolo sem reboco e concreto mal feito, adorei!
valeu.
tem um aspecto interessante aí: o uso vernacular do tijolo e da alvenaria em geral é na américa latina hispânica muito diferente do uso aqui no Brasil (não falo dos blocos cimentícios e cerâmicos de nossas periferias, mas do tijolo ao longo da história), no qual as periferias se apropriam do que está à disposição mais barato (eternit, tapume, bloco de cimento, etc). Ouso dizer que não temos, de fato, no Brasil uma cultura construtiva popular baseada no tijolo: o que existe é simples exploração, o povo se apropria daquilo que lhe é vendido, normalmente produtos manufatorados ou semi-industriais (balaústres, janelinhas de ferro, lajotas, treliças, etc). É interessante inclusive olhar para a produção dos arquitetos brasileiros que vêm de uma tradição construtiva da américa hispânica, como joan villá ou hector vigliecca e perceber como eles possuem um domínio criativo da técnica que ainda não atingimos
O estudo disto daria uma longa dissertação de mestrado, mas algumas considerações podem ser feitas:
- a cultura construtiva brasileira que mais próximo estaria de algo "vernacular" (se é que podemos usar o termo) seria o barro, a terra, etc (sobretudo a taipa, de pilão e de sopapo). Por razões que conhecemos, tal técnica foi varrida do mapa.
- o estágio de industrialização em que nos encontramos — no qual é mais lucrativo pagar baixos salários para colocar bloco em cima de bloco ao invés de procurar criar soluções populares interessantes, como o próprio baloon frame (cuja origem se perde na história mas que sofreu uma transição interessante para a industrialização). O raciocínio da arquitetura moderna de produzir uma articulação política com o empresariado urbano não faria sentido no Brasil nem hoje nem nos anos 50. Isto diz muito da história do país no último século.
Gabriel meu caro, eu normalmente concordo com voce mas acho que nese ponto voce esta sendo preconceituoso. O Brasil tem um vernaculo sim no uso do concreto armado nas quinas de paredes de tijolo exposto. Eu acho extremamente romantico querer voltar a taipa e ao pau-a-pique quando a tecnica construtiva da favela é rigorosamente a mesma do Morumbi menos é claro os revestimentos e decorações.....
essa conversa é boa, vamos lá
sim, era exatamente isto que eu queria dizer, e é justamente por isto que considero complicado chamar isto de "vernacular": do lixo ao luxo, trata-se da mesma técnica, com a diferença que neste último ela procura ser camuflada.
o bloco cerâmico furado + estrutura de concreto está longe de ser um conhecimento tectônico popular: é muito mais uma apropriação de um sistema pré-industrial (manufaturado) devido ao baixo custo e à condição de exploração da mão-de-obra (tanto aquela da autoconstrução quanto da construção formal) que permite os lucros exorbitantes que conhecemos.
enfim: voltar à construção com terra, a priori, é realmente um romantismo, um fetichismo aparentemente inadequado. Mas pode render uma boa discussão (política, estética, tectônica).
Lidiane, bem vinda as nossas conversas. Eu imagino que de Joinville pro sul o uso da madeira seja tao vernaculo quanto o tijolo, só que cada vez mais em extinção, correto?
Gabriel,
o fato de ser pre-industrializado e de se utilizar de mão de obra barata não ameaça a extensa disseminação da tecnica que a transforma no vernaculo contemporaneo. Vejamos os numeros: 150 milhoes de habitantes urbanos, 45 milhoes de domicilios urbanos. Destes uns 5 milhoes foram projetados por arquiteto ou engenheiro (jogando pra cima, 12%). Restam 40 milhoes de domicilios construidos pelos proprios operarios da construcao civil com tijolo e concreto das mais variadas qualidades. E insisto: é popular sim, todo mundo sabe como fazer (mal mas sabe). Enquanto isso a taipa e o pau a pique sao infelizmente linguas mortas. Quem sabe fazer senao alguns poucos caboclos e outros poucos professores doutores?
Fernando,
achei o termo ótimo.
No ponto que o Gabriel mencionou, a classe mérdia-alta ainda é capaz de imitar o que se camufla.
É tal de porcelanato que imita o cimentado ou concreto, é tinta que imita cimentado, é pintura que imita cimentado, concreto aparente. Ou seja, muitas vezes o falso e complicado custa mais caro que o verdadeiro e simples.
Adiciona-se matéria à construção quando se busca crueza e simplicidade material.
A estética do cinza do cimento tão presente na favela virou moda nas coberturas e mansões.
Infelizmente somos vistos como estilistas e não como construtores, graças a uma maioria que de fato age como estilista.
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