Saturday, February 28, 2009

o outro lado dos concursos



eu não tenho dúvidas de que o concurso é a melhor forma de escolher um projeto de arquitetura público e faço questão de participar de vários muito embora a frustração seja tantas vezes o que nos resta do resultado final, seja porque não ganhamos nada ou pior, porque ganhamos e vimos o projeto ser engavetado por motivos externos à questão da arquitetura.

mas a experiência do outro lado da mesa, julgando concursos, me ensina que é preciso acreditar no processo como acredito na democracia, cheia de defeitos mais ainda melhor que todas as alternativas.

essa semana então ganhei na Coréia o equivalente a alguns anos de experiência em concursos. Primeiro pela importância do projeto: um complexo de teatros no meio do rio Han que os sul-coreanos querem que seja o símbolo de Seoul, algo na escala (dimensional e simbólica) da Ópera de Sidney. A responsabilidade era enorme e em vários momentos o júri sentiu o peso da tarefa. Mas estávamos lá para escolher o melhor projeto e tenho certeza que o fizemos.
e como não cabe revelar as minúcias e meandros do processo de escolha, uso essas linhas para apresentar os outros membros do júri com quem foi um prazer trabalhar por três dias muito intensos.

Raj Rewal dispensa apresentações mas como ele é pouco conhecido no Brasil aqui vai um pouquinho da sua obra. Rewal vive em Nova Delhi e tem projetos espalhados pelo mundo todo com destaque para o edifício do Banco Mundial em Delhi, o centro cultural Ismaili em Lisboa e a embaixada da Índia em Pequim. Foi com quem eu mais aprendi e gostei de conversar, confirmando minha idéia de que Brasil e Índia tem muito, muito mesmo em comum.

Rainer Schmidt vive em Munique e entre dezenas de projetos de parques e jardins destaca-se o do centro olímpico de Pequim. É um alemaozão bem humorado que bateu na tecla da sustentabilidade o tempo todo.

Michael Trieb vive em Sttutgart e é diretor do Stadtbauatelier, um thinktank de planejamento e desenho urbano. Já esteve no Brasil várias vezes com trabalhos em Salvador e Brasília. Foi o presidente do júri e conduziu os trabalhos com precisão germânica.

aprendi horrores discutindo, discordando e convivendo com esses três e também com os consultores coreanos.

Tuesday, February 24, 2009

Frampton de novo




madrugada de segunda-feira de carnaval no Brasil, alguns devem estar ainda sambando, outros dormindo e aproveitando as cidades vazias como eu se faria se lá estivesse. Em casa as meninas se divertem com Fuzzy, o porquinho-da-índia da escola da Nena que foi passar a semana com a gente enquanto eu estou quase do outro lado do mundo, em Seoul, Coréia do Sul, para ser jurado de um concurso de arquitetura.


aliás big concurso, depois escrevo mais sobre a experiência.


no avião, sobrevoando o Canada, o Alaska, a Rússia, a China e a Coréia do Norte eu vim lendo o último livrinho de Kenneth Frampton, The Evolution of 20th Century Architecture, a synoptic account (New York: Springer, 2007). Livro curto e muito bom para estudantes, mas provocativo o suficiente para interessar aos mais experientes também.


no início nada de novo. Quer dizer, o prédio do MES no Rio aparece já nas primeiras páginas enquanto Paulo Mendes da Rocha e Burle Marx se juntam a Niemeyer cujo texto, por sinal, é letra por letra o mesmo do seu clássico Critical History of Modern Architecture de 1982. Vinte e sete anos depois Frampton não tem uma única palavra diferente a dizer sobre Niemeyer. Um pouco triste e me faz pensar o quanto do livro é assim requentado, a parte sobre o Cassino da Pampulha é a única que eu lembro de cor porque citei no meu livro.


mas no final até que o velho Kenneth se redime. Dando espaço a Charles Correa, Raj Rewal (que vai estar no júri em Seoul e não vejo a hora de conhecê-lo) e Herman Hertberger, Frampton sugere que Niemeyer influenciou Corbusier que influenciou Correa que influenciou Barragan num fluxo global de idéias que eu acho fascinante. Sugere mas não elabora, num estilo tipicamente Framptoniano.


bom mesmo é o último parágrafo quando Frampton começa afirmando que o crescimento da mídia arquitetônica anulou de uma vez por todas a diferença entre centro e periferia. Sei não, alguém ainda duvida que um ensaio ou um edifício brilhante de alguém em Cuiabá por exemplo teria o mesmo impacto das páginas e mais páginas de bobagens que se publica todo ano em Columbia ou na AA de Londres?


depois ao afirmar que nossa sociedade ocidental falhou redondamente ao não conseguir propor um modelo de ocupação espacial ao mesmo tempo culturalmente sensível e ecologicamente correto, Frampton clama por uma mudança de paradigma que segundo ele está longe de acontecer.


pode até ser que esta mudança não esteja ainda acontecendo a plenos vapores. Eu acho que ela já se anuncia. Mas uma coisa eu tenho certeza: a fixação de Frampton em tratar a arquitetura como obra de gênios individuais descolada das condições de produção e do pano de fundo das obras ditas comuns vai bater em seus olhos como o sol das 6 da tarde, ofuscando tudo. É que pra mim esta tal mudança de paradigma que mestre Frampton agora invoca é incompatível com a postura individualista com que ele insiste em abordar a criação arquitetônica. Me espanta o fato de que Frampton até hoje se “esquece” de práticas coletivas como MVRVD ou SANAA ou mesmo Herzog+deMeuron.


e como eu estou chegando em Seoul para julgar o trabalho de 6 arquitetos contemporâneos, não há oportunidade melhor para testar as provocações de Kenneth Frampton.


more to follow soon

Thursday, February 19, 2009

morfologia das favelas


hoje meus alunos apresentaram pela primeira vez os trabalhos de analise do Acaba-Mundo em BH. Cinco outros professores na platéia se revezando em toda sorte de comentários, esmiuçando mesmo o trabalhos dos estudantes.

de repente surgiu uma questão. De acordo com o mapa de levantamento desta favela, apesar das densidades altíssimas, não encontramos uma única parede compartilhada por dois barracos. Cada uma das estruturas tem suas próprias quarto paredes, um envelope externo absolutamente independente mesmo que as vezes o espaço entre edifícios seja de 50cm ou menos.

dado que a maioria das classes media e alta nas grandes cidades brasileiras moram atualmente em apartamentos, onde uma ou várias paredes são compartilhadas, fica aqui uma anotação interessante. A lógica da ocupação das favelas impõe a independência dos envelopes externos, mesmo que a privacidade seja quase nenhuma dado que os vizinhos estão a menos de um metro de distância.

isso me parece comum na maioria das favelas brasileiras e vale perguntar qual a origem e discutir a pertinência deste fenômeno.

seria isso um desperdício de material e trabalho justamente onde faz mais falta ou uma peculiaridade morfologica dos assentamentos informais?


o que vocês acham?

Friday, February 13, 2009

razoes do sucesso

acabei essa semana de ler “Outliers, the story of success” de Malcolm Gladwell. O livro cumpre um papel importante ao desmontar a idéia de que apenas o talento e o esforço individual seriam capazes de alavancar alguém a posições de sucesso. O autor demonstra com vários exemplos interessantíssimos que o sucesso é quase sempre uma combinação de muitas oportunidades aproveitadas com algum talento. Gladwell não usa a expressão “capital social” ou “capital cultural” mas usa do mesmo argumento o tempo todo para mostrar que o fator que mais influencia o desempenho de crianças semelhantes é a escolaridade dos pais.

ao discorrer sobre Bill Gates e outros gênios da informática Gladwell demonstra como o acesso a computadores no inicio dos anos 70 (quando eram raros e seu uso era cobrado por hora) permitiu que esses então adolescentes acumulassem milhares de horas de prática antes mesmo de se graduarem.

várias vezes no livro Gladwell se refere a 10.000 horas como um número mágico a partir do qual o sujeito atinge um nível superior no exercício da sua profissão seja ela programar computadores, tocar violino ou jogar basquete.

o que significariam então essas 10.000 horas no caso da arquitetura. Dado que nem todo tempo passado diante da prancheta ou do computador se traduz em prática criativa, vamos dizer que um jovem arquiteto passa, na melhor das hipóteses, 3 horas por dia efetivamente projetando. Com isso seria preciso 3300 dias ou cerca de 10 anos de trabalho ininterrupto para se alcançar esse almejado patamar superior que um jogador de futebol alcança por volta dos 25 anos e um violinista por volta dos 30.

por isso vale insistir no rigor da prática de projeto desde a escola. Semanas atrás uma colega que conhece muito de arquitetura brasileira e latino-americana me perguntava porque a arquitetura da Argentina, do Chile ou até da Colômbia parece alcançar resultados tão melhores, na média, que nossa amada e celebrada arquitetura brasileira.

fiquei com essa pergunta ressoando por vários dias até que o livro de Gladwell me deu esse insight: o rigor das escolas de arquitetura desses países (notadamente mais intenso que das nossas) dá aos alunos mais talentosos uma grande vantagem prática, eles acumulam boa parte dessas tais 10.000 horas ainda na escola passando o dia inteiro no studio, oportunidade que infelizmente está sendo negada a grande maioria dos acadêmicos de arquitetura no Brasil.

Monday, February 9, 2009

fogueira das vaidades?






o prédio em chamas na foto é o hotel projetado por Rem Koolhas em Pequim, parte do complexo da CCTV, ainda nem inaugurado, queimando agora, segunda-feira a noitinha na China.

os bombeiros ainda nem acabaram seu trabalho e os blogs já estão transformando este incêndio em símbolo de uma mudança de paradigma.

fim do dinheiro fácil, fim das obras faraônicas, fim do exageros que marcaram a primeira década do milênio?

mas enquanto os blogs aceleram a conversa ninguem ainda se lembrou de perguntar se
todos os operários que trabalhavam na obra saíram do prédio ilesos.

é que paradigmas a parte, só quando a arquitetura entra em colapso é que lembramos da nossa fragilidade diante desses colossos de aço, concreto e vidro

Saturday, February 7, 2009

filhos no mundo

hoje foi dia de festa de aniversário da Nena e nasceu meu sobrinho Pedro,

o dia foi intenso mas agora de noite fiquei pensando nessas coisas meio transcendentais, o que a gente deixa de herança nesse mundo e que mundo estamos deixando pra eles,

pra completar achei esse desenho meu num blog da Finlândia, não entendi nada do que está escrito mas a encomenda foi um pintar a paz então se encaixa bem nesse momento.


Friday, February 6, 2009

david leatherbarrow


esta semana David Leatherbarrow, diretor do programa de doutorado da U Penn esteve aqui em Michigan para uma palestra e um seminário.

a palestra foi meio hermética mas o seminário foi uma ótima oportunidade de discutir arquitetura com um dos mais importantes scholars contemporâneos.

e a conversa acabou sendo muito pessoal. Primeiro porque Leatherbarrow começou dizendo que toda pesquisa tem um quê de pessoal, uma questão íntima, algo que cada um de nós quer resolver por dentro e acaba externando nas nossas investigações.

fiquei imaginando então o que meus textos dizem sobre mim mesmo.

mas a conversa esquentou mesmo quando eu falei alguma coisa sobre o Brasil e Leatherbarrow disparou a elogiar a arquitetura brasileira e sua contribuição para a arquitetura do século XX. Numa sala com outros 20 alunos de doutorado e outros 10 professores a minha tabelinha com o ilustre convidado durou o suficiente para deixar todo mundo com inveja da experiência brasileira.

e não podia ser mais pessoal….