Friday, July 25, 2008

lições teóricas e práticas de sustentabilidade

a pedidos da Cleo e do Marcão eu vou começar contendo sobre a minha apresentação em Oxford. Meu trabalho tinha o título propositadamente provocativo de que as mudanças climáticas seriam a última chance para se reconciliar projeto e pesquisa no ensino de arquitetura.

começo voltando aos anos 60 e 70 quando teoria era assunto de projeto, não de história, e repasso as mudanças dos anos 80, época em que a arquitetura se lançou numa aventura pós-estruturalista de validar o discurso acima de qualquer coisa, jogando a pesquisa empírica pra escanteio e com ela a pesquisa sobre e através do projeto.

e isso se deu muito também por culpa dos projetistas teóricos dos anos 60 e 70 (Christopher Alexander era um deles) que pretenderam cientificisar e sistematizar o processo criativo. Em busca da famosa “caixa transparente” desprezaram o poder criativo da arquitetura, menosprezaram a experimentação e quiseram mudar o modelo de ensino baseado no studio (atelier) pelo lado de fora, sem participar seriamente dele.

acontece que na minha visão o studio/atelier é a parte mais fundamental do ensino de arquitetura. Em Oxford todo mundo com menos de 40 anos concordava com isso e quase todo mundo com mais de 50 mostrava uma dificuldade enorme em perceber que a pesquisa científica pode e deve ser jogada dentro do studio para apoiar em sólidas fundações o processo criativo. Isto na minha opinião é o que de melhor a pesquisa pode oferecer ao studio, ensinar aos alunos os rudimentos da linguagem da pesquisa para que eles possam 1) se basear em informações menos fantasiosas que o discurso pós-estruturalista e 2) desenvolver uma possibilidade de diálogo com outras disciplinas que não apenas as humanidades.

pensar é fundamental mas e ensinar a pensar é uma das mais importantes funções da universidade mas não basta, é preciso saber mais sobre o fazer e incorporar o fazer na nossa investigação espacial de studio/atelier.

foi mais ou menos isso que apresentei ressaltando que a urgência das mudanças climáticas nos dá uma oportunidade de ouro para que a pesquisa se incorpore ao ensino de arquitetura e também para que a profissão reconquiste seu papel social que anda bem esgarçado depois da pós-modernidade.

mas para mim, no meio de tantas excelentes conversas sobre o futuro do ensino de arquitetura, ficou uma humilde lição de sustentabilidade. Como minha mala nunca chegou a Oxford, tive de me virar com o mínimo possível nesses 3 dias. Uma camisa, 2 cuecas e 2 meias foi tudo que comprei na caríssima Inglaterra, além de escova de dentes e lâmina de barbear. Os confortos fizeram falta falta: a câmera ficou sem bateria e a corrida pelos lindos gramados ingleses ficou pra uma outra vez. Mas que podemos viver com muito menos, ah podemos.

10 comments:

Mário do Val said...

Fernando,

A tal dedicação exclusiva que você tanto critica é no meu ver uma faca de dois gumes. Por que? Por um lado ela cria uma classe de professor que supostamente terá suporte financeiro e acadêmico para desenvolver pesquisa acadêmica. Por outro, e aí eu concordo com você, obriga o arquiteto a se ausentar da prática profissional - mundo real - em que ele terá seu escritório, prestará consultoria, tocará obras ou servirá alguma empresa ou governo. Assim, como que um professor pode ensinar uma profissão sem exercê-la plenamente?

Onde estudo a dedicação exclusiva acabou criando os grupos de pesquisa, que funcionam em outro planeta, longe da graduação. Ou seja, toda a pesquisa científica que por acaso é produzida na escola fica restrita aos professores participantes e alguns alunos.

Seja como for, eu fico com dificuldade de entender como que pode acontecer a ponte entre a pesquisa e o projeto no estudio. Talvez não consiga por ser educado a entender as duas atividades como sendo completamente independentes. Acho que é por isso que tenho vontade de saber como isso acontece mundo arquitetônico afora.

Diego Schmidt (lotaH) said...

Caro Fernando,
Também sou fiel seguidor da idéia que as mudanças climáticas (ou a atenção que ela está despertando) pode ser um "motivo" para que a arquitetura se "lembre" de coisas que eram muito importantes para ela. Não só a pesquisa acadêmica, mas a necessidade do arquiteto de entender o local da implantação (micro clima e etc...). Se existe uma bandeira a ser levantada na arquitetura, na minha opinião a volta ao estudo rigoroso do local (não só em características climáticas, mas culturais também) é a mais importante. Fora ao International "stupid" Style!!!
Abraços.

Fernando L Lara said...

Diego,

bem vindo as nossas conversas. Cooncordo com voce 100%.

Mario,

eu me esforco nos meus ateliers para passar alguns fundamentos de pesquisa. Questoes de como tratar a informacao, como rastrear o processo de investigacao que gerou tal relatorio. Acho que no minimo os alunos aprendem o vocabulario da pesquisa cientifica.

de luto,
Fernando

Marco Antonio Borges Netto - Marcão said...

Tô angustiado.
Realmente há um descompasso entre a prática e a teoria.
Tenho a impressão de que muitos alunos fingem serem alunos e muitos professores fingem serem professores.
Tá cada um por si.

Fernando L Lara said...

Marcão,

você tocou no ponto certo. Um pouco mais de seriedade e dedicação poderiam fazer muita diferença.

Fernando

Mário do Val said...

Dei uma ramificada na discussão lá no Anteprojetos!!! Dêem uma olhada.

http://www.anteprojetos.blogspot.com/

Anonymous said...

Chegando atrasado na conversa, justamente por ser blogueiro em regime parcial, you know, já vou caçar meu lugar ao sol.

1.A prática da arquitetura que vemos já tem pouca ou nenhuma interferência das escolas. Mesmo os bons praticantes são muito mais pupilos formados nas pranchetas de seus antigos empregadores do que alunos dedicados. A guilda, sim, a guilda rules.

2.Eppur, é claro que o ensino é fundamental. mas para isso, ele precisaria primeiro, voltar a ser "fundamental". Fernado, você quer aprofundar pesquisas como, se as faculdades pulam descaradamente o básico?

3.A sustentabilidade é um bom exemplo disso. Que tenha virado um hype a essa altura, diz muito sobre o ensino. O mais básico vendido como o mais sofisiticado. Sendo que, como muito bem lembrou o Serapião na Projeto "verde"do ano passado, nada disso virou arquitetura - enquanto linguagem, ao menos - ainda.

4. As pesquisas se inserirão naturalmente nos proejtos a medida que:

a) as pesquisas sejam sérias e claro,

b) os projetos idens.

Mas pesquisa séria é aquela se baseia em fatos, não ideologias, o que exclui TODOS os pesquisadores-in-chief da arquitetura brasileria.

E projeto sério envolve compromisso ético (e de novo, não confundir com ideológico) por parte de contratantes e contratados.

Gente interessada em INVESTIR PESADO em pesquisa tem no mundo inteiro, como vocês sabem. Quando sentirem que dela resultará bons proejtos urbanos, e bons edificios, os investidores aparecerão.

Deculpem o excesso, é o tempo fora. ;)

Fernando L Lara said...

bem vindo de volta Alberto, e que volta!!!

concordo com todos os seus pontos exceto o primeiro. Percebo entre os melhores arquitetos do país uma desproporcional participação dos egressos da USP, Mackenzie, Puccamp, UFRJ, UFRS, UFMG que acredito ser decorrência de um ensino forte e um vestibular difícil que seleciona os melhores já de entrada. A expansão do ensino ocorrida nos últimos 20 anos ainda não se fez notar entre as melhores arquiteturas sendo feitas atualmente. Talvez isso mude na medida em que os melhores arquitetos não estão mais ensinando nas universidades públicas (por culpa da dedicação exclusiva e do salário insignificante na ausência da DE) mas pra mim as melhores escolas ainda se sustentam.

em todos os outros pontos concordo 100% com você. Há de se ensinar o básico primeiro.

no caso da pesquisa, eu acho que nao expliquei direito: a presença da pesquisa no studio se faz na pós graduação, que nos EUA é majoritariamente em projeto diferente daqui.

Anonymous said...

Seria o caso de dizer que então não é a pesquisa que foi ao proejto, mas o projeto que foi à pesquisa, right, old sport?

O que, claro, é o caminho necessário e natural: quando os pessquisadores meterem a mão na massa, resultados surgirão e serão incorporados pelo assim chamado mercado.

Mas eles não parecem muito dispostos a isso, no meumódivê, por duas razões encadeadas:

1. A pesquisa tende a ser tratada como um sacerdócio, um chamado para quem NÃO quer se envolver com "tudo isso que está aí", a.k.a. arquitetura. Em São Carlos, a regra é clara e cristalina: pesquisa ou projeto, pode escolher.

2.Esse processo acaba filtrando pesquisadores que não gostam ou não fazem questão de se envolver com projeto. É o caminho natural de críticos e historiadores, e uma espécie de corrida maluca para quem quer se especializar em projeto.

E vai uma razão bônus,porque não gastei minha prolixidade completamente ainda: Como, diferentemente de outras áreas, essas pesquisas dificilmente desembocam em algum produto (que não seja um livro de tiragem indy), com o tempo niguém mais questiona a pertinência real de certas pesquisas. Perde-se o foco e a possibilidade de se aprofundar temas que teriam maior interface com o mundo real.

Como resolver essa charada, é com você.;) Pelo menos por hora.

Marco Antonio Souza Borges Netto - Marcão said...

Alberto,
Penso que o "projetista" deve pesquisar, senão vai projetar o quê? Apesar de alguns insistirem, o copiar-colar na arquitetura é mais difícil e demanda mais tempo do que projetar. Mas para pesquisar precisa projetar?

O profissional que projeta e pesquisa, sem sombra de dúvidas, é mais completo.

Mas o profissional que "só" pesquisa corre o risco de ter concorrentes de outras áreas, assim como acontece nas artes, na política, na economia e no esporte. Não é preciso formar em belas artes ou economia para ser crítico (respeitável).

Realmente a pesquisa na arquitetura muitas vezes tem maior interface com o mundo real.

Mas a charada (?) persiste.

Teremos que debater e organizar seminários mais vezes.

Abraços,

Marcão.