Monday, May 4, 2009

favela studio





na última segunda feira tivemos a banca final dos projetos do favela studio que aconteceu aqui em Michigan este semestre. Por aqui todos os studios tem ao final uma defesa formal e pública, com professores convidados de outras escolas e de outras disciplinas.


no nosso caso os convidados foram Raul Smith que veio de NY onde esta colaborando com Keith Kaseman em um estúdio parecido na Columbia cujo foco é o morro da Conceição no Rio, e Edesio Fernandes, referência mundial em direito urbanístico que veio de Londres via Lincoln Institute em Boston. Outros três professores de Michigan formaram as bancas que discutiram o trabalho de 6 alunos na parte da manhã e outros 6 a tarde.

não vou entrar aqui nos detalhes dos projetos porque vamos editar um livro nos próximos meses em que todos os trabalhos vão ser tornados públicos (e traduzidos para o Português). O interessante é registrar algumas das discussões que aconteceram durante o studio e que nortearam o debate da banca final.

em primeiro lugar, a dificuldade de tratar a questão das favelas com as ferramentas tradicionais da arquitetura. Entender o processo construtivo de baixo-custo no Brasil foi fascinante para os 12 alunos que vieram de 3 continentes, mas o melhor da investigação ficou por conta da incapacidade das ferramentas de modelagem 3d em captar a espacialidade das favelas. O nível de precisão dos nossos instrumentos de desenho não lida bem com “erros” da ordem de 5cm e nem a mais elaborada geometria chega perto da riqueza de texturas e pequenas digressões que ocorrem numa favela.

também bastante discutida foi a questão da acessibilidade. A literatura especializada há muito já demonstrou que as melhores intervenções em uma favela são aquelas que melhoram a acessibilidade, permitindo que o Estado se faça presente e apoiando níveis crescentes de integração entre a favela e a cidade formal. Para tanto é preciso criticar normas e flexibilizar parâmetros que dificultam tal integração. Toda rua deveria ter 12 metros de largura e no máximo 20% de inclinação mas se a forma mais viável de acesso a certas partes da favela passa por uma rua com apenas 7 metros de largura e 30% de rampa que assim seja, é melhor que rua nenhuma.

e por último vale registrar que tanto os críticos voltaram sempre na questão de que a técnica construtiva das favelas é a mesma da cidade formal, só que barateada a ponto de se alcançar uma distinção estética entre os imóveis “embrulhados” com pedra, cerâmica ou tinta na cidade formal e o tijolo nu da favela. Esta distinção de natureza imagética que normalmente é repudiada como mero embelezamento por aqueles que mais se interessam pela questão social merece ser trazida a tona para discussão porque de maneira inconsciente (embora eficiente) ela reforça o abismo entre dois lados de uma mesma cidade, um mesmo regime urbano, uma mesma sociedade que tem historicamente uma enorme dificuldade de se ver inteira.



last Monday we had the final review of the favela studio that I offered here in Michigan this semester. Among our visiting critics was Raul Smith from NY where this collaborating with Keith Kaseman in a similar studio at Columbia whose focus is the Conceição Hill in the Rio, and Edesio Fernandes, world-wide reference in urban law who came from London via Lincoln Institute in Boston. Other three Michigan faculty completed the review lineup that saw 6 projects in the morning and another 6 in the afternoon.

I do not want to discuss the details of each projects because in the next few month we will edit a book and all the works will become public. The interesting thing is to register some of the discussions that happened during the studio and that echoed during the final review.

first the difficulty to approach the favela problem using our traditional design tools. To understand the technicalities of cheap construction in Brazil was fascinating for the 12 students who came from 3 different continents, but most challenging was to perceive the limitation of our modeling 3D software in capturing the spatiality of the favelas. The level of precision of our drawing instruments cannot not deal with “errors” on the magnitude of 2 inches, nor can the most elaborated geometry get close to the wealth of textures and small digressions that occur in a favela.

also discussed was the question of accessibility. The scholarly literature has already demonstrated that the best favela interventions are those that improve accessibility, allowing the State to be present and supporting increasing levels of integration between the favelas and the formal city. For that to happen it is often necessary to take a critical approach towards norms and parameters that make such integration difficult. All street should be 12 meters wide and have less than 20% incline but if the most viable access to certain parts of the favela require a street only 7 meters wide and 30% slope so be it. A narrow and steep street is better than no street.

and finally it is worth noting that the critics often came back to the realization that the constructive technology of favelas is the same of the formal city, only cheapened to the point of becoming an aesthetic distinction between buildings “wrapped” in stone, ceramics or paint in the formal city and the naked bricks of the favelas. Such imagétic distinction is often dismissed as beautification by those more concerned with social matters but deserves to be brought up for discussion because in an unconscious (albeit efficient) way it widens the gap between two sides in one city, one urban condition, one society that historically has had an enormous difficulty of perceiving itself as one.

7 comments:

Marco Antonio Souza Borges Netto - Marcão said...

Fernando,

Sei que você esteve na PUC ano passado. Mas o que você acha de fazermos algo mais amplo como um seminário/oficina/studio/issutudo aqui na PUC?

O Integração está com uns projetos bem interessantes e dois ou três TFGs que abordam essa temática.

Além, é claro, que com o novo currículo do curso de arquitetura e urbanismo da PUC a questão da habitação, sustentabilidade, tecnologia, está melhor definida e focada.

Então, por tudo isso acho que seria uma experiência incrível. De repente o Edésio topa também. Afinal, ele também é daqui e deu (dá) aulas na PUC.

O que acha?

Abraços,

Marcão.

Anonymous said...

Fernando, não sei se entendi certo, mas vc elabora um Atelier de projeto para estudar as favelas brasileiras?

Fernando L Lara said...

Ricardo,
eh exatamente isso, meu studio em Michigan teve como tema as favelas brasileiras.

Marcao,
vou com o maior prazer sempre que convidado.

felipe botelho said...

Opa!Interessante.

também fiquei curioso sobre mais detalhes acerca da disciplina.

Pra quem estudou no brasil, estamos acostumados com nomes como projeto residencial,projeto do espaço coletivo....

-mais detalhes do "favela estúdio"?
-Esse tema é permanente ou muda de semestre em semestre?
-Quantas horas de aula por semana?

Gostaria de te mostrar um trabalho. Como posso?

Felipe

Fernando L Lara said...

Felipe,

o studio aqui eh intenso, sao 12 horas por semana mas os alunos ficam 8, 10 horas por dia no studio. No caso do mestrado os professores propoem os temas dos studios no primeiro dia de aula e os alunos votam na 1a e 2a opcoes.
Cada professor leva a disciplina como quer mas as reviews (bancas) sao publicas e a escola inteira ve de um modo ou de outro.

nos estamos agora editando um livrinho que vai estar disponivel no inicio de junho.

e pode me mandar seu trabalho, olharei com prazer: fernandoluizlara@gmail.com

Ana Paula said...

Que trabalho bacana, Fernando! Fico imaginando a riqueza de contribuição que deve ser o olhar dos alunos de fora sobre a problemática da favela no Brasil. E ao mesmo tempo, o enriquecimento que esse estudo deve ter pra eles, de todos os pontos de vista.
Você tocou em dois pontos que eu acho fundamentais para se trabalhar e entender favelas. Um é a flexibilização dos parâmetros, e outro é a distinção estética. Diferenciar sua casa através da cor, do material de revestimento, de um detalhe qualquer, não é questão de embelezamento, mas de identidade. Também por isso conjuntos habitacionais com 200 casas, todas iguaizinhas, logo ganham puxadinhos.
Vou ficar aguardando o livro. Abs

felipe botelho said...

anotado!
vou te mandar...

Abç.