chocados estamos todos com a tragédia da ilha grande que levou vocês embora. E mais ainda por estarmos tão próximos: adoramos o paraíso da ilha grande, convivemos em grupos parecidos, escolhemos a mesma profissão. Por isso a morte de vocês e dos outros na pousada nos toca mais fundo. É terrível enfrentar a idéia da nossa própria morte porque sabemos que podíamos estar alí ou num voo qualquer da TAM, da GOL ou da Air France. Assusta pensar que vida é tão frágil.
no meu caso, apenas dois graus de distância nos separavam, o que significa que eu conheço várias pessoas que conheceram vocês. Andamos pelos mesmos corredores da EA-UFMG e conversamos com as mesmas pessoas, separados por alguns anos apenas (eu fui aluno entre 1988-1993, professor em 1995 e de novo entre 2002-2004). Dividimos também esse encantamento com a arquitetura. Essa mesma arquitetura que devia nos proteger da chuva, do calor e do frio mas que foi insuficiente diante do volume de água e terra que desceu em cima da pousada na noite do reveillon.
e talvez seja isso que mais nos assuste diante da morte de vocês: perceber que apesar de toda essa tecnologia que nos cerca ainda somos insuficientes e quase insignificantes diante de uma natureza implacável como mostra a foto acima.
mas nesse momento de dor para os que ficaram eu ressalto o “quase” da frase anterior. Não somos totalmente insignificantes, apenas bastante. Tenho certeza que outras tantas mortes podem ser evitadas como no morro da carioca no continente, ou no vale do Itajaí, ou em Cunha, Petrópolis, Salvador, Rio, SP, BH. Tragédias anunciadas que matam todo ano, na América Latina mais de 1000 pessoas desabrigando mais de 100.000. Numa triste comparação temos destruição equivalente a um Katrina. Todo ano.
por isso conclamo a todos os alunos de arquitetura do Brasil a homenagearem vocês duas buscando uma relação mais inteligente entre o espaço que construímos e a chuva que cai todo ano, nos mesmos lugares, da mesma forma. Não somos assim tão insignificantes. Para cada metro quadrado revertido de cimento para um jardim rebaixado retiramos cerca de 1500 litros de água da inundação das áreas baixas que vemos toda semana na mídia.
não sei o que poderia ter sido feito para evitar o deslizamento na ilha grande dada a fragilidade do terreno e a atração paradisíaca do lugar. Mas na periferia das grandes cidades onde milhões vivem ao mesmo tempo tão perto e tão longe do paraíso, podemos sim evitar a dor de outras familias armados apenas com a insignificância da arquitetura.
12 comments:
Fernando, acho que sempre estaremos sujeitos às ações devastadoras da natureza.
Mas muitas tragédias 'recorrentes' poderiam ser evitadas, ou, pelo menos, amenizadas se fossem cumpridas duas leis federais:
1-não construir nas margens de 50m de qualquer curso d´água.
2-não construir em terrenos com declividade acima de 47%.
Duas normas básicas com as quais nós arquitetos lidamos quase diariamente, mas população, prefeituras e governos insistem em ignorar e desrespeitar.
é verdade Marcelo, eu não gosto quando se fala de "falta de planejamento" quando o que existe é um planejamento predatório que igora as regras mais básicas em nome do lucro (econômico ou político e quase sempre ambos). Mas eu bato na tecla de uma outra regra, a da permeabilidade mínima de 20%, sem a qual não há solução para as enchentes urbanas.
desculpem pela frieza, mas diante da tragédia, não posso deixar de manifestar protesto perante isto: http://colunistas.ig.com.br/luisnassif/2010/01/05/a-lei-luciano-hulk-de-cabral/ (lei "luciano huck")
horrível Gabriel, como dizia o Darcy, o Brasil é uma máquina de moer gente.
Fernando, vou lançar uma quarta regra. Em Sabará, região metropolitana de BH, a prefeitura instituiu uma Lei que dá desconto no IPTU para quem tiver um pé de jabuticaba no quintal. Achei a idéia genial. Além de também ajudar na absorção de água, a árvore contribui para aumentar a micro-fauna, melhoria do micro-clima e melhoria da paisagem. E obviamente cada árvore é plantada num pedacinho de terra permeável...
e viva Sabará!!!! a propósito, os portugueses sabiam o que faziam ao colocar as ruas nas cristas dos morros preservando os vales. Comparando com as áreas de ocupação recente Ouro Preto e Olinda tem pouquíssimos desabamentos.
Fernando,
tempos atrás, um amigo me mostrou um projeto para um condomínio em Brasília. Uma área bonita, mas muito acidentada, e ele estava bem orgulhoso do resultado final. O desenho seguia todas as regras de distância para cursos d'água e nascentes, não colocava nenhum lote em áreas com grande declividade, etc, etc.
bom, a proprietária não gostou. Ela estava "perdendo" muitos lotes com isso. E contratou um desenhista para refazer o projeto do jeito que ela achava correto, colocando o maior número de lotes possível. E achou alguém para assinar o Frankestein.
Ela conseguiu aprovar esse projeto, passando pelas secretarias e obras e meio ambiente como um trator (sim, vc pode pensar na palavra "suborno", aí), e hoje está vendendo os lotes, feliz da vida.
Eu só fico pensando que, se houver uma tragédia por lá, vai aparecer alguém lamentando a "força implacável da natureza. E a cliente, que é uma evangélica das mais chatas, vai dizer que foi a vontade de Deus...
é isso aí Max, a arquitetura precisa ser levada mais a sério.
Não só a arquitetura, mas o meio ambiente deve ser levado a sério, no sentido de respeito. É possível uma integração homem-ambiente onde nenhum saia lesado, entretanto o que é mellhor (planejamento, legislação, ocupação adequados) é mais trabalhoso, e mais caro. Nada comparado ao preço de vidas perdidas resultantes do descaso.
Mellina,
é triste isso mas será que vamos ter de por preço na natureza para ela ser respeitada? E pior, como você bem disse, qual o preço de uma vida?
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