esta carta,da qual eu sou um dos signatários, foi publicada originalmente pelo site concursosdeoprojeto.org reproduzida aqui no parede.
O auto-intitulado “Time de Arquitetos da Copa”, grupo de arquitetos responsáveis pelos projetos dos estádios das 12 cidades que sediarão os jogos da Copa de 2014, assinou no último dia 18 de junho uma “carta aberta” [1] na qual exige “respeito aos projetos desenvolvidos para as futuras arenas” e “recomendam todo o empenho da sociedade e governantes para que os investimentos na Copa de 2014 sejam sustentáveis e tragam benefícios permanentes às cidades brasileiras”.
É de se respeitar a luta dos colegas arquitetos, que representados pelo SINAENCO – Sindicato Nacional das Empresas de Arquitetura e Engenharia Consultiva –, convocam a sociedade para ao seu lado empenhar-se pelo respeito aos seus projetos. O discurso em prol da sustentabilidade e dos benefícios à sociedade está presente na carta, assim como a preocupação de evitar “o uso indevido dos recursos, especialmente o dinheiro público”. É importante ainda destacar, no documento assinado pelo “Time de Arquitetos da Copa”, a preocupação dos mesmos com a qualidade do projeto arquitetônico e com a obediência às suas soluções e especificações (de sistemas construtivos, de materiais e de equipamentos) pelos empreendedores.
É louvável toda iniciativa que tenha como resultado (e propósito) a qualidade da arquitetura pública, mas algumas dúvidas em relação ao “Projeto Copa 2014” inspiram certa cautela em relação à convocatória pública pelo respeito aos projetos e aos seus autores. Se por um lado deve-se reconhecer a obrigação de defender uma causa aparentemente tão justa, por outro não se pode ignorar o desconforto que decorre do desconhecimento coletivo – por falta de transparência – do processo em torno das contratações de projetos e serviços para a Copa 2014, bem como das suspeições resultantes de relatórios recentes publicados pelo Tribunal de Contas da União[2]. Portanto, para evitar injustiças e conclusões precipitadas, antes de decidir por assinar ou refutar uma carta repleta de boas intenções, “pela qualidade da obra pública e do projeto arquitetônico”, solicita-se o esclarecimento de algumas questões:
1. Qual foi o processo de escolha dos projetos dos estádios e de convocação dos membros do “Time de Arquitetos da Copa” em cada caso? Foi realizado algum concurso? Algum escritório foi contratado por notória especialização, ou seja, sem concurso ou licitação? Houve licitações por técnica e preço? Afinal, têm sido publicadas notícias preocupantes sobre contratações sem licitação de projetos e serviços para a Copa 2014[3]. Enfim, em se tratando de empreendimentos que envolvem vultosos recursos públicos, é fundamental saber em quais das modalidades previstas na legislação se enquadraram as contratações de cada um dos projetos.
2. Quais foram os critérios utilizados para as escolhas dos projetos arquitetônicos? Segundo a “carta aberta”, “os projetos para os empreendimentos esportivos e de infraestrutura geral para a Copa 2014 devem ser escolhidos por sua concepção inovadora, pela percepção da essência e da cultura local e pela melhor técnica, nunca pelo menor preço”. Quais foram os procedimentos adotados para julgamento e avaliação da referida inovação e da qualidade que se espera de uma arquitetura pública? Houve comissões julgadoras? Se houve, quais foram os seus membros?
3. Qual o montante de recursos públicos envolvidos nos projetos? Notícias publicadas no Portal Copa2014[4] anunciam que as projeções de gastos para a construção e reforma dos estádios do Mundial já subiram mais de 300%, ultrapassando R$ 10 bilhões. Ainda segundo a mesma matéria, um dos fatores que teria influenciado no aumento do orçamento teria sido o início do detalhamento dos projetos, fase em que os valores se aproximam do custo real. Essa notícia contradiz a declaração do “Time de Arquitetos” e do SINAENCO ao desejarem que “o legado da Copa de 2014 no Brasil seja – realmente – o alicerce de um país mais desenvolvido, com melhor infraestrutura, empregos, distribuição de renda e justiça social, algo que não se consegue sem um planejamento de longo prazo, estudos de viabilidade econômico-financeira e ambiental”.
Há muito tempo que se buscam, sem sucesso, informações sobre os processos de contratação dos projetos para a Copa 2014. Talvez com a ajuda do “Time de Arquitetos da Copa” e do SINAENCO, seja finalmente possível obter uma resposta clara e definitiva a tais dúvidas. Afinal, para que se possa ter o apoio da sociedade à causa da “qualidade da arquitetura pública”, mencionada na “carta aberta”, é fundamental antes de tudo a observância da transparência pública, da probidade administrativa, da isonomia e da impessoalidade dos contratos públicos. Sugere-se, portanto, que seja demonstrado à sociedade que os processos de contratação dos projetos para a Copa 2014 seguiram todos esses princípios, como seria de se esperar. Acredita-se que assim terão o apoio e o respeito que demandam.
Assinam esta carta:
Álvaro Puntoni, Carlos Eduardo Comas, Carlos Henrique Magalhães, Circe Monteiro, Danilo Matoso Macedo, Edson Mahfuz, Eduardo Pierrotti Rossetti, Elcio Gomes, Fabiano Sobreira, Fernando Luiz Lara, José Eduardo Ferolla, Humberto Hermeto, Izabel Amaral, Leandro Augusto Campos, Natália Miranda Vieira, Pedro Morais, Pedro Paes Lira.
[1] Arquitetos exigem respeito aos projetos para 2014: Time de Arquitetos da Copa divulga carta em defesa do planejamento. Publicado no Portal Copa 2014, em 22/06/2009.
[2] TCU suspende concorrência de serviços para a Copa 2014: Tribunal avaliou que a licitação poderia trazer prejuízos aos cofres públicos. Publicado no Portal Copa 2014, em 04/05/2009.
[3] Pela Copa-2014, cidades iniciam festival de gastos sem licitação. Publicado na Folha OnLine, em 18/01/2009; TCU veta licitação para escolha da empresa organizadora da Copa: altos salários de consultores e outros custos exorbitantes seriam os motivos. Publicado no Portal Copa 2014, em 14/05/2009.
[4] Estádios da Copa podem ficar 300% mais caros: Custo das arenas da Copa do Mundo já ultrapassa os R$ 10 bilhões. Publicado no Portal Copa 2014, em 01/07/2009.
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6 comments:
Acho tremendamente pertinentes esses questionamentos. Aqui no Rio, a experiência que temos com as obras realizadas para o PAN são do mesmo teor. Falta de clareza com relação à escolha dos projetos e seus gastos e sobretudo uma subutilização ou rápida deterioração de vários equipamentos com os quais se gastou uma fortuna. Com exceção do engenhão, que segue tendo uso, o Parque Maria Lemcke está vazio a maior parte do tempo, a Vila Olímpica tem problemas de drenagem crônicos (que começaram a se revelar ainda durante os jogos) e o Parque Aquático Júlio Delamare, que foi todo refeito para o PAN agora será demolido para em seu lugar colocarem estacionamentos que atendam ao Maracanã. Eu realmente não entendo.
No endereço http://www.urbanamente.net/blog/2009/07/01/sobre-a-idealizacao-da-cidade/, a Ana Paula, do comentário acima, chama a atenção de que fica "uma certa impressão de que cabe ao Estado elaborar, executar e fiscalizar um plano de intervenção que acabaria com os problemas da cidade". Prevalece "a crença na capacidade do Estado de controlar a cidade, através das normas, da legislação, da fiscalização e, em última instância, da polícia".
E o caso dos Estádios é um exemplo disso. O Poder Público decide e pronto acabou.
Marcao,
fiquei sem entender seu comentario. O poder publico decide, ok. Mas existem regras que passam por um concurso ou por uma licitacao aberta para qualquer contratacao neh mesmo? Foram cumpridas essas regras? E esse tipo de transparencia que estamos demandando.
Fernando,
Desculpe-me a falta de clareza.
Mas o que quis dizer é que, guardadas as devidas proporções, vivemos em um Estado muito parecido com o proposto por Hobbes. Damos ao Poder Público o poder de decidir por nós mesmos. A democracia é exercida 100% com o sulfrágio.
Ou seja, como entendemos que cabe ao Estado elaborar, executar e fiscalizar um plano de intervenção que acabaria com os problemas da cidade, o Poder Público se vê no direito de fazer as coisas à sua maneira.
Meus vizinhos, um exemplo simples, reclamam de um buraco na rua dizendo que a Prefeitura não conserta. Mas ninguém avisa a Prefeitura. A Prefeitura tem que ser onipresente, como o Leviatã. E isso é culpa do Poder Público e da sociedade.
Outro exemplo é o Plano Diretor de BH que está sendo alterado. A imprensa noticiou uma única vez o fato e nunca mais. Pela imprensa, não sabemos em que pé estão as discussões.
Portando, dessa forma a transparência fica um pouco turva que precisamos questionar o processo, a exemplo da carta de vocês, que, diga-se de passagem, concordo.
Espero ter esclarecido.
Abraços.
exatamente fernando,
A falta de transparência e de acessibilidade as informações é o que me assusta também.
Todos temos percebido que o Estado é incapaz de ter um bom setor de comunicação que se encarregue de, por exemplo, fazer um site, onde poderiam ficar imagens, detalhes, ficha técnica completa, custos, e todas as informações de todos esses projetos dos estádios - que DEVEM ser de acesso da população.
E quando essas informações não estão claras, límpidas, começamos a suspeitar que isso tem outros motivos.
Também me manifestei a respeito da falta de informações sobre o novo projeto de revitalização no porto do Rio, comparando essas licitações/contratações aos atos secretos.
http://oitocentoseoito.blogspot.com/2009/06/porto-do-rio-plano-de-revitalizacao.html
Abraços
Acho que um dos grandes problemas é a falta de informação, pois tudo que é feito às escondidas gera suspeitas. Concordo com a idéia do Felipe da ncessidade haver um meio de divulgação das notícias...
Porém um dos fatores agravantes é o poder de decisão que o Estado possu, escolhendo seus serviços por conveniência, e não por custo/benefício.
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