Monday, May 25, 2009

goodbye ann arbor


uma certa nostalgia me invade no momento em que escrevo aquele que será o ultimo post de Ann Arbor. Foram 10 anos por aqui, entre 1996 e 2000 e agora entre 2004 e 2009. No final da semana que vem vamos pra praia, depois os dois meses de sempre em BH e quando voltarmos no início de agosto estaremos de casa nova na Universidade do Texas em Austin.


tive vontade de escrever sobre o que aprendi em Michigan mas cá estou na minha sala entre pilhas de papel a serem descartados e livros a serem encaixotados. Entre tanta matéria fico pensando mesmo é no imaterial. O que vivi e aprendi em uma década aqui é difícil de traduzir em palavras, cada vez que tento terminar este parágrafo me vejo abandonando o teclado para colocar o livro X na caixa Y ou salvar um papel qualquer da sina de ser reciclado.
mas acho que existe aqui um rigor no trato da arquitetura que espero carregar comigo. Os studios funcionam 24 horas por dia, 7 dias por semana, de setembro a abril, direto. As longas horas na prancheta, no computador ou no corredor das reviews (CMYK para os íntimos) fazem com que tenhamos todos, alunos e professores, um compromisso com a arquitetura que eu nunca experimentei em outras escolas onde estudei ou dei aulas.


e ainda a crença de que a pesquisa e o projeto são duas faces da arquitetura, muitas vezes opostas como numa moeda mas basicamente inseparáveis.


mas acima de tudo levo comigo a lembrança de muita gente bacana com quem convivi nesses anos todos. Gente que veio daqui de perto ou da China, da Índia, da Rússia, da Tailândia, do Egito, do México, da Suíça, da Argentina, da Alemanha, da Nigéria. Gente que importa como diz nosso centenário Oscar.


ps: ainda sobre o muro em torno das favelas no Rio, porque não murar também aqui e aqui?



a certain nostalgia invades me at the moment at that I write my very last post from Ann Arbor. It has been 10 years total, 1996 - 2000 and now from 2004 until this week, when we will pack the house, take off to the beach, and arrive in Belo for 2 month there. At the beginning of August, back in the US, we will be in a new house at the University of the Texas at Austin.


I thought of writing about what I learned in Michigan but here I am, in my office, between stacks of papers to be discarded and books to be boxed. Among so much matter that doesn’t really matter, I am thinking about the immaterial that I carry with me. What I experienced and learned in one decade here is difficult to put in words, each time I try to finish this paragraph I see myself abandoning the keyboard to place some book in some box or to save a paper from the recycling bin.


I should then write about the rigorous way in which architecture is dealt with here, something that I hope to carry with me. The studios operate 24 / 7 from September to April. The long hours at the drawing board, at the computer or in the review corridor (a.k.a. CMYK) make us all, students and faculty, extremely committed to architecture in a way that I have never seen in any other school I taught before. On top of that there is the belief that research and design are two faces of the same architecture, often opposing one another as in a coin, but basically inseparable.
but above all I take with me the memories of so many people with whom I had the pleasure to work here: people from around the corner or from China, India, Russia, Thailand, Egypt, Mexico, Switzerland, Argentina, Germany, Nigéria….. people that really matter as our centennial Oscar would say.

Monday, May 18, 2009

zumthor e moore

este post vai sair meio estranho porque a idéia é misturar Peter Zumthor com Charles Moore mas vamos ver se eu consigo explicar tal casamento.

estive no Texas na semana passada nas bancas finais da Universidade do Texas at Austin e no avião fui lendo o livro novo de Peter Zumthor que comprei meses atrás (antes do Pritzker vale dizer) e não tive tempo de ler antes do final do semestre. O texto é interessante, não tão refinado quanto seus edifícios e às vezes cheio de “verdades” meio subjetivas demais pra mim.

mas logo no início uma frase chamou a minha atenção e ficou gravada na minha cabeça. Zumthor escreve que são muito poucos os problemas arquitetônicos que ainda não foram solucionados, e continua afirmando que infelizmente a maioria dos arquitetos insiste em re-inventar soluções a cada projeto e com isso acabam atrasando o desenvolvimento da arquitetura.

pensei nisso durante os 3 dias em Austin e principalmente na quinta a noite quando a escola fez sua recepção de fim de ano na casa que Charles Moore construiu quando deu aula lá. Não sei se foi pelo ambiente descontraído e divertido da festa, pelo número elevado de colegas falando meu português ou pela casa em si mas o espaço parecia perfeito para uma festa. Dois pavilhões dispostos em L em volta de uma pequena piscina e com a articulação entre eles coberta do sol que ainda brilhava as 7 da noite mas aberta e ventilada. Dentro dos pavilhões o pé-direito varia de acordo com o programa e as cores, sempre muito fortes, dão o tom descontraído da casa.
em resumo, eu acho que os pós-modernos erraram na dose e acabaram jogando fora algumas das melhores características do modernismo. Mas quase sempre acertaram em serem modestos usando soluções consagradas para vários dos problemas arquitetônicos deixando de lado a obsessão vanguardista de reinvenção constante




this post will be a bit strange because the idea is to mix Peter Zumthor with Charles Moore but let me try to explain such weird marriage.

I was in Austin last week for the final reviews at the University of the Texas and used the airplane time to read Peter Zumthor’s new book which I bought months ago (before the Pritzker I should to say) and did not have time to read before the end of the academic term. The text is interesting, not as refined as his buildings and often times full of “subjective truths”.

but at the very beginning a phrase caught my attention and was stuck in my head. Zumthor writes that there are very few architectural problems that have not yet been solved, and continues explaining that unfortunately the majority of architects insists on re-inventing solutions to each project and the result is a delay in architecture’s collective development.

I thought about this during the 3 days in Austin and mainly on Thursday night when the school hold its end of year reception in the house that Charles Moore built when he taught there. I don’t know if it was for the relaxed environment, for the high number of colleagues speaking my Portuguese, or for the house in itself but the space seemed perfect for a party. Two pavilions in L around a small swimming pool connected by a covered open porch. Inside the pavilions the ceiling height varies in accordance with the program and the colors, always very strong, dictate the exciting tone of the house.

in summary, the post-modernists might have been wrong on the dosage and discarded many of the best modernist features. But they were almost always right in being modest and using consecrated solutions for several architectural problems, leaving behind the avant-garde obsession with constant re-invention.

Monday, May 11, 2009

buckminster fuller



no inicio de abril estive em Chicago e fui ver a exposição sobre a obra de Buckminster Fuller montada pelo Museum of Contemporary Arts. Nascido em 1895 Fuller foi o mais visionário dos arquitetos modernos norte-americanos. Expulso de Harvard (por ser pego com pornografia, imagine!) Fuller trabalhou na marinha durante a primeira guerra mundial e tentou tocar alguns negócios da família (sem sucesso) antes de resolver que ia ser inventor. Os protótipos Dymaxion dos anos 30 (um carro super aerodinâmico e uma casa a ser produzida em escala industrial) foram notados e Fuller começou sua carreira de professor errático, mudando de escola em escola enquanto trabalhava em projetos que juntavam industrialização e performance através de geometrias elaboradas.

sua obra mais conhecida é o pavilhão dos EUA na feira de Montreal de 1967 (a mesma para a qual Moshe Safdie construiu o Habitat), uma esfera geodésica de aço e acrílico com 62 metros de altura e 76 metros de diâmetro equatorial.

o que vale a pena discutir a partir da obra de Fuller é até que ponto pode-se classificar sua obra de “sustentável”? O catálogo e os textos da exposição insistiam e promover as invenções de Bucky Fuller como pioneiros da sustentabilidade já que ele inegavelmente buscava a eficiência na forma de construir mais com menos recursos.

me incomoda esta apropriação contemporânea de sua obra porque de certa maneira Fuller esteve a vida toda absolutamente imerso no paradigma mecânico-industrialista do século XX segundo o qual existe uma resposta eficiente para todos os problemas da humanidade. Pois foi esta crença no progresso tecnológico como panacéia que nos colocou neste buraco ecológico. Ao mesmo tempo em que a evolução tecnológica pode (e deve) resolver alguns dos problemas atuais, seguramente não resolve a todos.
Fuller projetou por exemplo uma cidade flutuante que poderia ser usada em caso de crise como um tsunami ou uma pandemia (só pra citar dois problemas recentes). Mas será esse o destino da humanidade, viver em casas provisórias e flutuantes fugindo da elevação dos oceanos ou da vaca-louca, aqui citados por serem tragédias causadas pelo próprio modelo industrial de produção produção produção.

será que a eficiência que Fuller tanto buscou não pode ser vista como uma forma melhor de aproveitar nosso tempo na terra, consumindo menos e conversando mais ao invés de querermos maximizar tudo?

como o mineirinho da piada, se é pra ter uma vida melhor e mais confortável pra que essa volta toda?



at the beginning of April I was in Chicago and went to see the exhibition on Buckminster Fuller mounted by the Museum of Contemporary Arts. Born in 1895, Fuller he was most visionary of all North American modern architects. Expelled from Harvard (for being caught with pornography, can you imagine!) Fuller worked in the Navy during the World War I and tried to run some of the family businesses (without success) before deciding that would be inventor. The Dymaxion prototypes of the 1930s(an super aerodynamic car and a house to be produced in industrial scale) got some notoriety and Fuller started his career of an erratic professor, moving from school to school while working in a variety of projects that joined industrialization and performance through elaborated geometries.

his most visible work was the U.S. pavilion in Montreal's 1967 WorldFair (the same one for which Moshe Safdie constructed the Habitat), a geodesic sphere of steel and acrylic with 62 meters of height and 76 meters of equatorial diameter.

what seems worth to debate about Fuller’s work is to what extent it can be classified as “sustainable”? The catalogue and the texts of the exhibition insistently promote the inventions of Bucky Fuller as pioneers of sustainability since it undeniably searched for efficiencies in form in order to build more with less resources.
but this contemporary appropriation of Fuller as “sustainable” bothers me because it is also evident that he was absolutely immersed in the mechanic-industrial paradigm of the 20th century, according to which there would be a technological response to all the problems of humanity. Besides, it was precisely this belief in technological progress as panacea that brought us such ecological mess. While technological evolution can (and must) resolve some problems, it surely cannot solve all. Fuller designed for instance a floating city that could be used in times of crisis such as a tsunami or a pandemic (to quote only two recent problems). But is that humanities future? To life in provisory cities escaping from the oceans rise of mad-cow disease, quoted here for being tragedies caused by the very same industrial model of production production production.

why couldn’t the efficiency that Fuller so decisively searched be seen as a better way to use our time in this life, consuming less and having more time for each other more instead of maximizing everything?

in Minas Gerais there’s a story of a man who was selling produce by the side of the road. Somebody stopped by trying to convince him to expand his business and he kept asking why? why a bigger stall? why a store? why a supermarket? why a franchise? until the visitor said that he would be able to leave comfortably and enjoy a peaceful life.

to which he then asked: why all the effort?

Monday, May 4, 2009

favela studio





na última segunda feira tivemos a banca final dos projetos do favela studio que aconteceu aqui em Michigan este semestre. Por aqui todos os studios tem ao final uma defesa formal e pública, com professores convidados de outras escolas e de outras disciplinas.


no nosso caso os convidados foram Raul Smith que veio de NY onde esta colaborando com Keith Kaseman em um estúdio parecido na Columbia cujo foco é o morro da Conceição no Rio, e Edesio Fernandes, referência mundial em direito urbanístico que veio de Londres via Lincoln Institute em Boston. Outros três professores de Michigan formaram as bancas que discutiram o trabalho de 6 alunos na parte da manhã e outros 6 a tarde.

não vou entrar aqui nos detalhes dos projetos porque vamos editar um livro nos próximos meses em que todos os trabalhos vão ser tornados públicos (e traduzidos para o Português). O interessante é registrar algumas das discussões que aconteceram durante o studio e que nortearam o debate da banca final.

em primeiro lugar, a dificuldade de tratar a questão das favelas com as ferramentas tradicionais da arquitetura. Entender o processo construtivo de baixo-custo no Brasil foi fascinante para os 12 alunos que vieram de 3 continentes, mas o melhor da investigação ficou por conta da incapacidade das ferramentas de modelagem 3d em captar a espacialidade das favelas. O nível de precisão dos nossos instrumentos de desenho não lida bem com “erros” da ordem de 5cm e nem a mais elaborada geometria chega perto da riqueza de texturas e pequenas digressões que ocorrem numa favela.

também bastante discutida foi a questão da acessibilidade. A literatura especializada há muito já demonstrou que as melhores intervenções em uma favela são aquelas que melhoram a acessibilidade, permitindo que o Estado se faça presente e apoiando níveis crescentes de integração entre a favela e a cidade formal. Para tanto é preciso criticar normas e flexibilizar parâmetros que dificultam tal integração. Toda rua deveria ter 12 metros de largura e no máximo 20% de inclinação mas se a forma mais viável de acesso a certas partes da favela passa por uma rua com apenas 7 metros de largura e 30% de rampa que assim seja, é melhor que rua nenhuma.

e por último vale registrar que tanto os críticos voltaram sempre na questão de que a técnica construtiva das favelas é a mesma da cidade formal, só que barateada a ponto de se alcançar uma distinção estética entre os imóveis “embrulhados” com pedra, cerâmica ou tinta na cidade formal e o tijolo nu da favela. Esta distinção de natureza imagética que normalmente é repudiada como mero embelezamento por aqueles que mais se interessam pela questão social merece ser trazida a tona para discussão porque de maneira inconsciente (embora eficiente) ela reforça o abismo entre dois lados de uma mesma cidade, um mesmo regime urbano, uma mesma sociedade que tem historicamente uma enorme dificuldade de se ver inteira.



last Monday we had the final review of the favela studio that I offered here in Michigan this semester. Among our visiting critics was Raul Smith from NY where this collaborating with Keith Kaseman in a similar studio at Columbia whose focus is the Conceição Hill in the Rio, and Edesio Fernandes, world-wide reference in urban law who came from London via Lincoln Institute in Boston. Other three Michigan faculty completed the review lineup that saw 6 projects in the morning and another 6 in the afternoon.

I do not want to discuss the details of each projects because in the next few month we will edit a book and all the works will become public. The interesting thing is to register some of the discussions that happened during the studio and that echoed during the final review.

first the difficulty to approach the favela problem using our traditional design tools. To understand the technicalities of cheap construction in Brazil was fascinating for the 12 students who came from 3 different continents, but most challenging was to perceive the limitation of our modeling 3D software in capturing the spatiality of the favelas. The level of precision of our drawing instruments cannot not deal with “errors” on the magnitude of 2 inches, nor can the most elaborated geometry get close to the wealth of textures and small digressions that occur in a favela.

also discussed was the question of accessibility. The scholarly literature has already demonstrated that the best favela interventions are those that improve accessibility, allowing the State to be present and supporting increasing levels of integration between the favelas and the formal city. For that to happen it is often necessary to take a critical approach towards norms and parameters that make such integration difficult. All street should be 12 meters wide and have less than 20% incline but if the most viable access to certain parts of the favela require a street only 7 meters wide and 30% slope so be it. A narrow and steep street is better than no street.

and finally it is worth noting that the critics often came back to the realization that the constructive technology of favelas is the same of the formal city, only cheapened to the point of becoming an aesthetic distinction between buildings “wrapped” in stone, ceramics or paint in the formal city and the naked bricks of the favelas. Such imagétic distinction is often dismissed as beautification by those more concerned with social matters but deserves to be brought up for discussion because in an unconscious (albeit efficient) way it widens the gap between two sides in one city, one urban condition, one society that historically has had an enormous difficulty of perceiving itself as one.