Monday, April 20, 2009

ruas no lugar de muros / streets not walls

de toda essa discussão sobre o desastrado muro em torno das favelas do Rio uma das melhores colocações foi a da Ana Paula Medeiros do Urbanamente e o que ela chamou de “mania de cercadinho”ou nas palavras dela mesma:“tendência à fragmentação, a criar grupos estanques de pessoas, de coisas. Tendência a reforçar a cisão entre grupos sociais distintos, a criar barreiras, a excluir. Seja com o intuito de enfatizar a exclusividade e o privilégio, como os currais vip dos shows, seja disfarçando com o argumento da preservação ambiental, como é o caso da atual discussão envolvendo as favelas do Rio.”

pois isso me parece um dos mais tristes fenômenos deste início de século. Quanto mais criamos comunidades virtuais ou laços com pessoas do outro lado do planeta, mais dificuldade temos em estabelecer qualquer troca com aquele que vive ali pertinho mas que se mostra muito diferente de mim.

ano passado me chamou a atenção o livro The Big Sort, de Bill Bishop e Robert Cushing. Os autores, um jornalista e um professor de sociologia da Universidade do Texas, partiram de dados eleitorais para mostrar que a população norte-americana esta se fragmentando em territórios ideológicos. Na eleição de Carter em 76 a grande maioria do país teve disputas acirradas a nível dos condados. Já na eleição de Bush em 2004 (e muito provavelmente também na eleição de Obama ano passado) a maioria do país foi de “lavadas” onde um ou outro candidato ganhou com mais de 20% de frente.

nas palavras de Bishop e Cushing“os EUA são hoje mais diversos do que nunca mas os lugares onde vivemos estão se tornando cada vez mais cheios de pessoas que vivem como nós, pensam como nós e votam como votamos. Esta transformação social não aconteceu por acidente, nós construímos um país onde podemos todos escolher qual vizinhança morar como quais notícias assistir. E estamos vivendo com as conseqüências desta segregação.Nosso país se tornou tão polarizado, tão ideologicamente incestuoso, que as pessoas não sabem e não conseguem compreender os outros.”

no caso brasileiro esta divisão não se revela tanto espacialmente, pessoas de ideologia e modos de vida bastante diferente ainda dividem o mesmo elevador na maioria dos prédios onde vive a classe média e média-alta das grandes cidades. Mas fora a diversidade dos apartamentos esta segregação acontece com força total, nas escolas que escolhemos para nossos filhos, nos shoppings, nos clubes, nos restaurantes. A mídia já percebeu isso há muito tempo e cada radio toca para seu público, cada revista escreve para seu público e com isso cria-se um ciclo vicioso que gera polarização porque as idéias iguais vão sendo ampliadas ao reverberarem em ouvidos fiéis. A direita torna-se mais direita e a esquerda mais esquerda num processo que espelha a profunda divisão norte-americana.

inconscientemente cada vez mais escolhemos estar em espaços onde estarão também aqueles que pensam como a gente, e as cidades vão perdendo um pouco do que elas tem de melhor que é facilitar o contato com tudo que me é diferente, com a alteridade, com aquilo que me altera.

por isso insisto em criticar o muro como intervenção desastrada. Primeiro porque como bem escreveu Sergio Besserman, ex presidente do IBGE, as favelas estão crescendo horizontalmente na zona leste e verticalmente na zona sul, onde os muros então não servirão para nada. Segundo porque se o problema é preservar a mata porque o estado não consegue conter a expansão ilegal então o muro não vai durar duas semanas. Terceiro porque os 40 milhões de reais reservados para os muros poderiam ser investidos em abertura de ruas. Ruas para que possa subir a polícia mas para que também possa subir a ambulância, o caminhão de lixo, os bombeiros. Ruas para descer o esgoto devidamente encanado. Ruas para que a acessibilidade gere mais possibilidade de contato, mais oportunidade de emprego e geração de riqueza. Ruas para que nossas vidas rodeadas de iguais sejam mais permeáveis, ainda que apenas potencialmente.

vale ler também o que escreveram Roberto da Matta e Sergio Magalhães [alem do otimo texto de Luiz Fernando Janot publicado em O Globo no ultimo dia 17 que o proprio autor disponibilizou nos comentarios desse post].


of all this quarrel around the disastrous wall around the favelas of Rio one of the best posts was written by Ana Paula Medeiros at Urbanamente and what she called “fancing mania” , the contemporary trend to create groups, to strengthen the split between distinct social groups, to create barriers, to exclude. Either with intention to emphasize exclusiveness and privilege, as the vip corrals in concerts, either hidden under the argument of environmental preservation, as is the case of the current wall around Rio's favelas.”

this seems to me as one of the saddest phenomena of this new century. The more we create virtual communities or ties with people on the other side of the planet, more difficulty we have in establishing any kind of meaningful exchange with that think different but might be so close to me.

last year the book “The Big Sort”by Bill Bishop and Robert Cushing called my attention. The authors, a journalist and a professor of sociology at UT Austin departed from electoral data to show that the North American population has been breaking down into ideological territories. In their own words: “America may be more diverse than ever coast to coast, but the places where we live are becoming increasingly crowded with people who live, think, and vote like we do. This social transformation didn't happen by accident. We've built a country where we can all choose the neighborhood and church and news show — most compatible with our lifestyle and beliefs. And we are living with the consequences of this way-of-life segregation. Our country has become so polarized, so ideologically inbred, that people don't know and can't understand those who live just a few miles away.”

in the Brazilian case this division not yet so strikingly spatialized. People of diverse ideology and life-style still share the same elevator in the majority of the buildings where the middle and upper middle class lives in major cities. But outside of apartments buildings segregation happens with total force, in the schools that we choose for our children, in shopping malls we go, in clubs, in restaurants. The media already knows that for a long time and each radio station caters to its public, each magazine writes for its subscribers in a vicious cycle that generates polarization because equal ideas get louder when reverberating in faithful ears, to the point of becoming two different languages, unintelligible for another audience. The right becomes more right and the left more left in a process that mirrors the deep North American divisions.

we feed that unconsciously each time we choose to be in spaces where we can find those that think like we do, and the cities lose a little the best they can offer which is to facilitate the contact with the different, with alterity, with that which alters me.

that’s why I insist on criticizing the wall as disastrous intervention. First because as stated by Sergio Besserman, ex director of the Brazilian Census Bureau IBGE, the favelas are growing horizontally in the east periphery and vertically in the southern part of town where the walls will then be good for nothing. Second because if the problem is to preserve the forest while the state cannot contain the illegal expansion then such wall won’t last two weeks. Third because the 40 million reais reserved for the walls could be invested in opening of streets. Streets so that give access to the police but also the ambulance, the garbage truck, the firetruck. Streets such that the sewage can come down properly. Streets that increase accessibility and more chances of contact (not less), more jobs and generation of wealth. Streets that make our contemporary insulated societies more permeable, even if only potentially so.

4 comments:

Anonymous said...

Queijinho,
Li recentemente no NYT que a Internet propicia ainda mais a segmentação de idéias. Isso porque, na web, escolhemos ler geralmente quem defende opiniões e pontos de vistas semelhantes aos nossos, sem o contraditório que, às vezes, existe nos jornais e revistas. Ao ler o impresso, ainda podemos ser fisgados por um título ou um olho interessante que nos leve a ler um colunista desconhecido ou que já sabemos de antemão que não gostamos. Na Internet, dificilmente fazemos isso e vamos direto para os blogs e sites que reforçam nossas idéias. Isso corrobora o que diz o livro citado por você. Eu, que passei boa parte da minha vida na cidade mais segmentada do mundo, tenho certeza que estamos perdendo alguma coisa, na vida real e na virtual, com tanta separação. Sobre o muro no Rio, ainda fico chocada ao ver que tem muita gente defendendo a sua construção, os mesmos que já vivem encarcerados em condomínios e shoppings.

Bjs para você e suas meninas,

Alê

Luiz Fernando Janot said...

Caro Fernando Lara,

Sobre "Muros" segue o artigo de minha autoria publicado no jornal "O Globo".

Abs
Janot



ARTIGO - OPINIÃO

17 de Abril de 2009



“MUROS QUE PREOCUPAM”



Luiz Fernando Janot

Arquiteto Urbanista

Professor da UFRJ





Apesar de reconhecer a dificuldade do poder público para atuar de maneira eficaz nos territórios dominados pelas diversas facções que controlam o tráfico de entorpecentes ou pelas milícias que atuam no comércio ilegal de imóveis, na distribuição de gás e no transporte público alternativo, podemos afirmar que algumas soluções anunciadas recentemente para controlar a expansão dessas comunidades não passam de paliativos diante dessa perversa realidade.



O chamado poder paralelo, encastelado em praticamente todas as comunidades populares, vem estendendo os seus tentáculos por quase toda a cidade e promovendo, direta ou indiretamente, assaltos à mão armada nas ruas, residências e estabelecimentos comerciais, roubos de cargas e veículos e os famigerados seqüestros relâmpagos. Presenciamos uma espécie de ditadura cruel e implacável que interpõe seu poder aos cidadãos desqualificando os princípios que devem reger a vida numa cidade democrática. O agravamento vertiginoso desse quadro vem despertando o medo generalizado na população e, consequentemente, a idéia de que a segurança só se encontra em espaços fechados ou de acesso controlado. Compromete-se dessa forma a vida nos espaços públicos tradicionais.



Na verdade, a segregação no espaço urbano não é um fato novo. Na Idade Média a cidade se fechava para os perigos externos através de muralhas periféricas, enquanto hoje nota-se que algumas cidades contemporâneas se fecham em si mesmas criando espaços restritivos de convivência entre os seus próprios habitantes. Talvez essa tendência seja um prenúncio lamentável da construção de um apartheid social na cidade onde sobressaem os muros, as grades e as cercas eletrificadas que comprometem ostensivamente a imagem visual da paisagem urbana.



Uma cidade como o Rio de Janeiro não se melhora espacialmente apenas pela vontade política ou por soluções urbanísticas adotadas sem atentar para o impacto que podem causar no meio ambiente e no desenvolvimento harmonioso da cidade. O assunto é complexo e merece uma apreciação mais abrangente. Não será a construção indiscriminada de muros que irá reverter questões estruturais que existem por trás da expansão das favelas. Um grande muro periférico envolvendo as comunidades instaladas nos morros para conter a sua expansão e preservar as reservas florestais no seu entorno é uma proposta simplista e comprometedora visualmente da própria paisagem que se quer ver preservada.



Há que se controlar a expansão desenfreada das favelas, mas não dessa forma. É bom que se atente para o fato de que esses muros de blocos de concreto irão constituir, na prática, uma das paredes das casas que serão construídas neles encostadas. E, certamente, serão casas com mais de um pavimento com janelas – e portas, quem sabe? – abertas para as áreas verdes que se deseja proteger. Cria-se um ciclo vicioso. Além do desperdício de verba mal aplicada, entendemos que esses recursos poderiam ser destinados à implantação de melhorias na infra-estrutura e na construção de equipamentos de interesse social para tais comunidades.



Ao invés dos muros de concreto seria mais simples, mais econômico e mais útil criar uma faixa periférica de terreno non aedificandi com largura compatível e acompanhando uma cerca limítrofe construída com material ecologicamente adequado. Essa faixa seria demarcada por meio de uma cobertura vegetal rasteira integrada ambientalmente com a reserva florestal em seu entorno e poderia destinar-se eventualmente à construção de escadarias, plano inclinado ou local para implantação das redes de infraestrutura para a própria comunidade. Além de tudo, por se tratar de um espaço livre, facilitaria a observação à distância e o acesso por parte do poder público para controlar a expansão territorial através de ocupações irregulares

Fernando L Lara said...

Prezado Janot,
obrigado pelo texto, voce conseguiu amarrar brilhantemente todos os aspectos da questao e eu concordo 100% com suas palavras.

Vou colocar um link no post principal para facilitar a leitura por parte de todos.

abracos do seu xara invertido Fernando Luiz

Anonymous said...

Olá, Fernando,
excelente o seu texto e a contraposição entre os "muros imateriais" que segregam pensamentos e opiniões, e a sua materialização dura, pobre e literal nas favelas. Infelizmente essa iniciativa reflete o imediatismo de nossa política equivocada;
a ineficiência do estado em fiscalizar e acompanhar as transformações urbanas;
e a ausência de um quadro integrado de profissionais ou "estrategistas urbanos" contratados para pensar a cidade, e não apenas para desempenhar funções burocráticas da administração pública.
Vamos aguardar "o desenrolar" dessa intervenção...
abs,
andressa martinez