A arquitetura se torna mais visível quando falha. Foi essa a premissa do trabalho que apresentei na Louisiana State University na semana passada. Quando por uma ou outra razão a rotina é interrompida e a necessidade de abrigo se faz urgente, a arquitetura passa de pano de fundo para protagonista principal. Como o seminário estava meio chato, aluguei um carro e fui dirigir por New Orleans na sexta-feira. E achei a premissa acima mais verdadeira do que nunca. Quando por qualquer motivo nos falta um teto, vem a tona nossa fragilidade como espécie. Não somos mesmo feitos para viver sem paredes e telhados a nos proteger de toda espécie de intempéries. O que vi nos bairros de classe media baixa de New Orleans foi uma teimosa e talvez inglória luta pelas referencias, pelas memórias, pela cidade. As ruas em melhor estado tem dezenas de trailers da FEMA (agencia norte-americana de auxilio) estacionados em frente das casas. São nos trailers que agora vivem as famílias enquanto trabalham na recuperação de suas casas. Construídas em madeira com paredes de estuque (antigas) ou dry-wall (recentes), estas residências são muito mais sensíveis a umidade que nossas casas de tijolo e concreto. O processo de recuperação levara anos mesmo no caso das famílias com emprego estável e sem nome do SPC (que nos EUA se diz credit history). As ruas em pior estado nem trailers tem, indicando que os moradores não voltaram. A cidade que tinha 450 mil habitantes em agosto de 2005, agora tem pouco mais de 200 mil. Mesmo no elegante garden district o bondinho ainda não funciona e varias lojas estão fechadas com folhas de compensado no lugar das vitrines. O cenário é por um lado desolador e por outro lado inspirador. O que mais vi em New Orleans foi gente carregando material de construção em camionetes, dispostos a reconstruir a cidade, reconstruir a vida. Quando o abrigo dos diques falhou, ficou exposta a cruel desigualdade que se escondia nas áreas "inacessíveis" da cidade. Nas palavras de um arquiteto local, foi preciso uma tragédia de tais proporções para que os erros, de todos os níveis, aparecessem. O tecido social já poído e esgarçado se rasgou de vez como vi registrado no grafite: “se entrar eu atiro”. No caso brasileiro, temos pequenas enchentes todos os dias entre novembro e marco. Morrem um, dois, vinte, cinqüenta todo ano. Voltarei a escrever sobre a responsabilidade de cada quintal e cada estacionamento nas nossas enchentes urbanas.
Saturday, March 3, 2007
new orleans, 18 meses depois
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3 comments:
Fer,
Suas reflexoes sobre arquitetura sao super interessantes e prometem. A ideia eh genial, principalmente para o leigo na area, como eu.Esse relato sobre New Orleans ficou muito bom. Keep going!
Beijo,
Le.
bom comeco
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