Monday, April 27, 2009

o bolo / the cake


no inicio dos anos 90 quando eu estava na escola, quer dizer, quando eu era aluno porque de certa forma nunca saí da escola, tínhamos uma metáfora instigante e irônica para se referir aos edifícios pós-modernos da década de 80. Chamávamos de BOLO e a idéia era que os prédios de Graves, Stern e Moore eram formados por simples “camadas” de programas ricamente decorados por fora.


de certa maneira me assusta o fascínio atual pela fabricação digital de superfícies ricamente elaboradas que passam a resolver vários dos dilemas arquitetônicos: industrialização versus individualização, envelope versus performance, transparência versus privacidade e por aí vai.


esta semana numa das bancas de graduação aqui em Michigan o assunto voltou com força porque vários dos projetos usavam e abusavam da cortadora laser e do CNC router para criar tais superfícies rendilhadas enquanto por dentro o edifício nada mais era do que camadas de programas ligados por escadas e elevadores.


e pra completar, um dos intrépidos alunos fez a volumetria do seu projeto na forma de um bolo cuja foto não me deixa mentir.
o resultado foi que a metáfora do bolo roubou a cena.

ps: hoje, segunda-feira, teremos a final review do favela studio com a presença de Edesio Fernandes e Raul Smith entre outros. Mais detalhes na próxima segunda-feira.


at the beginning 1990s when I was in the school, I mean, when I was a student because the truth is I never left school, we had a instigating and ironic metaphor to refer to the 1980s post-modernism. We called them CAKE and the idea was that the buildings of Graves, Stern and Moore were the result of just “layering” program while richly decorating the exteriors


in a certain way it scares me to perceive a similar approach in the current fascination with digital fabrication: richly elaborated surfaces that promise to resolve several architectural paradoxes: industrialization versus individualization, envelope versus performance, transparency versus privacy and so on and so forth.


this week, in one of the undergraduate reviews here in Michigan, the issue resurfaced because many of the projects abused the laser cutter and the CNC router to create intricate screens while inside the building there was nothing more than layers of programs connected by stairs and elevators.


to my surprise one of the students built a CAKE-model of his project (see photo)and the result was that the cake metaphor took over the conversation.

Monday, April 20, 2009

ruas no lugar de muros / streets not walls

de toda essa discussão sobre o desastrado muro em torno das favelas do Rio uma das melhores colocações foi a da Ana Paula Medeiros do Urbanamente e o que ela chamou de “mania de cercadinho”ou nas palavras dela mesma:“tendência à fragmentação, a criar grupos estanques de pessoas, de coisas. Tendência a reforçar a cisão entre grupos sociais distintos, a criar barreiras, a excluir. Seja com o intuito de enfatizar a exclusividade e o privilégio, como os currais vip dos shows, seja disfarçando com o argumento da preservação ambiental, como é o caso da atual discussão envolvendo as favelas do Rio.”

pois isso me parece um dos mais tristes fenômenos deste início de século. Quanto mais criamos comunidades virtuais ou laços com pessoas do outro lado do planeta, mais dificuldade temos em estabelecer qualquer troca com aquele que vive ali pertinho mas que se mostra muito diferente de mim.

ano passado me chamou a atenção o livro The Big Sort, de Bill Bishop e Robert Cushing. Os autores, um jornalista e um professor de sociologia da Universidade do Texas, partiram de dados eleitorais para mostrar que a população norte-americana esta se fragmentando em territórios ideológicos. Na eleição de Carter em 76 a grande maioria do país teve disputas acirradas a nível dos condados. Já na eleição de Bush em 2004 (e muito provavelmente também na eleição de Obama ano passado) a maioria do país foi de “lavadas” onde um ou outro candidato ganhou com mais de 20% de frente.

nas palavras de Bishop e Cushing“os EUA são hoje mais diversos do que nunca mas os lugares onde vivemos estão se tornando cada vez mais cheios de pessoas que vivem como nós, pensam como nós e votam como votamos. Esta transformação social não aconteceu por acidente, nós construímos um país onde podemos todos escolher qual vizinhança morar como quais notícias assistir. E estamos vivendo com as conseqüências desta segregação.Nosso país se tornou tão polarizado, tão ideologicamente incestuoso, que as pessoas não sabem e não conseguem compreender os outros.”

no caso brasileiro esta divisão não se revela tanto espacialmente, pessoas de ideologia e modos de vida bastante diferente ainda dividem o mesmo elevador na maioria dos prédios onde vive a classe média e média-alta das grandes cidades. Mas fora a diversidade dos apartamentos esta segregação acontece com força total, nas escolas que escolhemos para nossos filhos, nos shoppings, nos clubes, nos restaurantes. A mídia já percebeu isso há muito tempo e cada radio toca para seu público, cada revista escreve para seu público e com isso cria-se um ciclo vicioso que gera polarização porque as idéias iguais vão sendo ampliadas ao reverberarem em ouvidos fiéis. A direita torna-se mais direita e a esquerda mais esquerda num processo que espelha a profunda divisão norte-americana.

inconscientemente cada vez mais escolhemos estar em espaços onde estarão também aqueles que pensam como a gente, e as cidades vão perdendo um pouco do que elas tem de melhor que é facilitar o contato com tudo que me é diferente, com a alteridade, com aquilo que me altera.

por isso insisto em criticar o muro como intervenção desastrada. Primeiro porque como bem escreveu Sergio Besserman, ex presidente do IBGE, as favelas estão crescendo horizontalmente na zona leste e verticalmente na zona sul, onde os muros então não servirão para nada. Segundo porque se o problema é preservar a mata porque o estado não consegue conter a expansão ilegal então o muro não vai durar duas semanas. Terceiro porque os 40 milhões de reais reservados para os muros poderiam ser investidos em abertura de ruas. Ruas para que possa subir a polícia mas para que também possa subir a ambulância, o caminhão de lixo, os bombeiros. Ruas para descer o esgoto devidamente encanado. Ruas para que a acessibilidade gere mais possibilidade de contato, mais oportunidade de emprego e geração de riqueza. Ruas para que nossas vidas rodeadas de iguais sejam mais permeáveis, ainda que apenas potencialmente.

vale ler também o que escreveram Roberto da Matta e Sergio Magalhães [alem do otimo texto de Luiz Fernando Janot publicado em O Globo no ultimo dia 17 que o proprio autor disponibilizou nos comentarios desse post].


of all this quarrel around the disastrous wall around the favelas of Rio one of the best posts was written by Ana Paula Medeiros at Urbanamente and what she called “fancing mania” , the contemporary trend to create groups, to strengthen the split between distinct social groups, to create barriers, to exclude. Either with intention to emphasize exclusiveness and privilege, as the vip corrals in concerts, either hidden under the argument of environmental preservation, as is the case of the current wall around Rio's favelas.”

this seems to me as one of the saddest phenomena of this new century. The more we create virtual communities or ties with people on the other side of the planet, more difficulty we have in establishing any kind of meaningful exchange with that think different but might be so close to me.

last year the book “The Big Sort”by Bill Bishop and Robert Cushing called my attention. The authors, a journalist and a professor of sociology at UT Austin departed from electoral data to show that the North American population has been breaking down into ideological territories. In their own words: “America may be more diverse than ever coast to coast, but the places where we live are becoming increasingly crowded with people who live, think, and vote like we do. This social transformation didn't happen by accident. We've built a country where we can all choose the neighborhood and church and news show — most compatible with our lifestyle and beliefs. And we are living with the consequences of this way-of-life segregation. Our country has become so polarized, so ideologically inbred, that people don't know and can't understand those who live just a few miles away.”

in the Brazilian case this division not yet so strikingly spatialized. People of diverse ideology and life-style still share the same elevator in the majority of the buildings where the middle and upper middle class lives in major cities. But outside of apartments buildings segregation happens with total force, in the schools that we choose for our children, in shopping malls we go, in clubs, in restaurants. The media already knows that for a long time and each radio station caters to its public, each magazine writes for its subscribers in a vicious cycle that generates polarization because equal ideas get louder when reverberating in faithful ears, to the point of becoming two different languages, unintelligible for another audience. The right becomes more right and the left more left in a process that mirrors the deep North American divisions.

we feed that unconsciously each time we choose to be in spaces where we can find those that think like we do, and the cities lose a little the best they can offer which is to facilitate the contact with the different, with alterity, with that which alters me.

that’s why I insist on criticizing the wall as disastrous intervention. First because as stated by Sergio Besserman, ex director of the Brazilian Census Bureau IBGE, the favelas are growing horizontally in the east periphery and vertically in the southern part of town where the walls will then be good for nothing. Second because if the problem is to preserve the forest while the state cannot contain the illegal expansion then such wall won’t last two weeks. Third because the 40 million reais reserved for the walls could be invested in opening of streets. Streets so that give access to the police but also the ambulance, the garbage truck, the firetruck. Streets such that the sewage can come down properly. Streets that increase accessibility and more chances of contact (not less), more jobs and generation of wealth. Streets that make our contemporary insulated societies more permeable, even if only potentially so.

Monday, April 13, 2009

o muro do Rio / Rio’s wall





esta semana o assunto da blogosfera foi o início da construção de vários muros no Rio de Janeiro, entre algumas favelas e as vizinhas áreas verdes remanescentes. Me lembrei imediatamente da discussão acalorada que tivemos aqui em Michigan em 2007 quando a escola de arquitetura comemorou 100 anos e trouxe vários figurões para um seminário de 3 dias que pretendia olhar tanto para o século que passou quanto para o século que temos pela frente. O resultado foi um racha entre defensores da sustentabilidade ambiental (Ed Mazria, William Saunders, John Thackara, Ken Yeang, David Orr) e os defensores da sustentabilidade social (Teddy Cruz, Charles Correa, Saskia Sassen, Michael Sorkin). No final ficou no ar um certo consenso de que as duas sustentabilidades são inatingíveis em separado, que a forma de alcançar uma delas passa necessariamente pela outra.

o muro do Rio me parece uma forma extremamente infeliz de lidar com esse conflito, como bem lembrou Sergio Besserman. Sim, as áreas verdes precisam ser preservadas, mas a população também precisa de soluções urgentes de habitação com um mínimo de qualidade e acesso aos serviços e oportunidades da cidade.

e por isso cabem aqui várias perguntas:

preservar as áreas verdes para quem? Já que isoladas por um muro (vamos fantasiar que o muro não vai ser quebrado ou escalado) elas deixam de participar do convívio da população e qualquer chance de uma efetiva educação ambiental desce pela enchurrada (na ausência de ralo)

porque murar em volta das favelas e não em volta de tantas áreas ricas do Rio que também invadem, desmatam e se apropriam das áreas de preservação que deveriam ser públicas? As mansões do Recreio ou de Angra vão ganhar muros também?

talvez valha a pena lembrar o muro de Berlim, o muro da faixa de Gaza e a cerca entre San Diego e Tijuana, barreiras que só servem para materializar fisicamente o preconceito, a desigualdade e o desinteresse numa solução melhor e mais permanente para o problema.

tem de haver uma solução melhor!



the buzz of the week in Brazil was the beginning of the construction of some walls in Rio De Janeiro that are supposed to separate the favelas from the neighboring remaining green areas. Reading about it I immediately I recalled a interesting discussion we had here in Michigan in 2007 when the architecture school celebrated its centennial and brought many distinguished scholars for a 3-day seminar that was supposed to reflect on the century past and the one ahead. The result was a debacle between proponents of the environmental sustentability (Ed Mazria, William Saunders, John Thackara, Ken Yeang, David Orr) and the defenders of social sustainability (Teddy Cruz, Charles Correa, Saskia Sassen, Michael Sorkin). In the end there was a consensus that the two sustainability are unreachable separately, that the road one of them necessarily goes through the other.

the wall of the Rio seems to me an extremely unhappy solution to this problem. Yes the green areas need to be preserved but the population also needs urgent housing solutions of minimum quality and access to the services and opportunities of the city. And many questions arise:

is the wall the best solution to preserve the green areas or just the first surface waiting the others three that will constitute a new dwelling?

to whom are we preserving this nature? Isolated by a wall (let’s pretend for a second that it will not be breached) they disappear from people’s perception and any possibility of an effective environmental education goes down the drains (opps, drains are rare in the favelas)

why build walls around the favelas and not around wealthy areas in Rio that also invade, deforest and appropriate nature preserves that should be public. Will they eventually wall the mansions of Recreio and Angra also?

but I am sure it is worth noting that as much as the Berlin wall, the Gaza wall or the Tijuana fence, the main purpose of these barriers is to materialize prejudice, inequality and a profound lack of interest in a better (and therefore permanent) solution for the problem.

Rio deserves a better solution!

Monday, April 6, 2009

prefeito heavy-metal




Braddock é uma pequena cidade perto de Pittisburgh, Pensylvania, encravada no chamado rust belt norte-americano, portanto basicamente heavy-metal. Braddock foi sede da primeira usina comprada pelo magnata de aço Andrew Carnegie (lembram-se do Carnegie Hall ou da Carnegie Mellow University, é tudo fruto da fortuna do Andrew) e também seda da primeira de centenas de bibliotecas construídas pela família Carnegie há mais de 100 anos atrás.

Braddock que chegou a ter 20.000 habitantes nos anos 60 hoje tem pouco mais de 2000, todos pobres, 65% negros, com baixíssima educação formal e sonhando com um emprego qualquer. Na semana passada esteve aqui em Michigan o prefeito da cidade chamado John Fetterman. Fetterman nasceu e cresceu perto da cidade e seu visual hard-core se encaixa bem na dureza do lugar. Com 1,80m, cabeça raspada e 160kilos, o prefeito tatua no braço a data de cada assassinato em Braddock durante a sua gestão (já são cinco como mostra a foto).

acontece que Fetterman tem mestrado em Harvard e como um Obama white-trash consegue falar tanto a lingua da elite quanto o dialeto da população esquecida de sua cidade. Sua palestra foi eletrizante pra dizer o mínimo. As imagens da destruição tanto do tecido social (casas abandonadas com tudo dentro) quanto da arquitetura que o envolve (edifícios lindos caindo aos pedaços) evocam pelo avesso a importância do espaço construído na vida cotidiana de todos nós. E nas palavras de Fetterman, a única esperança da cidade é catalizar o restinho de beleza que ainda resta em tijolos e torres e fazer delas, pedacinho por pedacinho, um lugar melhor para os que lá ficaram e para os que podem ainda vir. E toma falar sobre os problemas das cidades encolhendo sem alternativa de emprego e renda. E toma falar sobre o abandono da arquitetura. E toma a falar sobre a insustentavel suburbanizacao.
e se Braddock ainda não é exatamente Portland já está atraindo todo tipo de artista e empreendedor na esteira do prefeito heavy-metal.

Braddock e Fetterman pra mim representam duas questões fundamentais: a importância do espaço construído na construção de uma sociedade melhor e a diferença que pode fazer um único ser humano dedicado.
quando penso nas feiúra das cidades pequenas de Minas Gerais por exemplo fico torcendo para que outros prefeitos e prefeitas com a emsma atitude heavy-metal tomem conta delas como Fetterman adotou a desesperada Braddock.