Wednesday, April 30, 2008

em rota de colisão



uma conquista da qual a esquerda brasileira pode se orgulhar foi ter colocado a questão da saúde no cerne das preocupações nacionais. Nosso sistema público não é lá uma brastemp e a fome ainda ronda algumas areas do país mas nenhum candidato, por mais direitista que seja, pode hoje propor acabar com os programas públicos de saúde ou de segurança alimentar, sob o risco de, claro, não se eleger nem pra síndico de um condomínio fechado.

parece pouco mas não é.


na última semana o New York Times publicou duas reportagens mostrando que a espectativa de vida caiu, repito CAIU significativamente em grande parte dos EUA entre 1983 e 2000, principalmente entre as mulheres.
isso que seria um escândalo no Brasil não mereceu muita atenção da mídia popular que continua focada na crítica rasgada (aqui chamada de anti-americana) do pastor da igreja do Obama, entre outras questões de igual importância.

mas voltando a queda da expectativa de vida, esse dado só reforça a minha percepção de que os dois maiores países das américas estão ficando cada dia mais parecidos enquanto o Brasil melhora aos poucos e os EUA ao contrário vão piorando devagarinho.

Sunday, April 27, 2008

luxúria imobiliária



House Lust é o nome do livro de Daniel Mcginn cuja tradução seria algo como “luxúria imobiliária. Mcginn é jornalista da Newsweek e no livro ele tenta explicar as razões psicológicas por trás da bolha imobiliária de 2002-2005 nos EUA. Percorrendo lançamentos imobiliários de 600 m2 cujo preço inicial é de 1 milhão (podendo ir a 5 milhões em algumas áres de New York ou San Francisco).

escrito em 2007, o livro já indicava que esta bolha imobiliária estava para estourar e que muita gente ia acabar devendo mais do que o valor da casa assim que as taxas de juros subissem e o mercado esfriasse.

mas o interessante do livro de Mcginn é quando ele começa a tentar entender porque alguem que vive bem em uma casa de 300 m2 fica obscecado em se mudar para uma casa de 450 m2 e 1 milhão a mais.
por exemplo, em um dos capítulos Mcginn discute a idéia de que muita gente busca se dispõe a pagar muito mais por uma casa nova, como se imóvel fosse um carro e o “cheiro de novo” fosse um valor de uso. Acontece que carros tem uma vida útil de 10 anos, talvez 15, enquanto casas tem uma vida perfeitamente útil de no mínimo 60 anos, talvez 100, muitas vezes 200.

e o argumento usado para explicar esta obcessão a casa nova é de que as pessoas não gostam da idéia de que alguem já usou aquele banheiro ou deixou marcas de gordura na parede da sala de jantar.
mas como na comparação com os carros, os especialistas sabem que o semi-novo, aquele carro de 1 ou 2 anos com menos de 20 mil kilômetros é de longe o melhor custo-benefício, assim como aquela casa ou apartamento de menos de 10 anos, cujo valor já caiu um pouco ao mesmo tempo em que a infra estrutura não deve dar problema nas próximas décadas.

e quanto a supervalorização do novo, pra mim isso é uma mal disfarçada fixação com a idéia de pureza ou virgindade. Pureza que aliás é um conceito inventado artificialmente para reforçar a exclusão daquilo que não é considerado “puro”.

portanto cuidemos bem das nossas casas velhas (principalmente as modernas senhoras de 1950), que como escreveu o Quintana, é onde reside a melhor arquitetura.

Tuesday, April 22, 2008

a ditadura da visão


o erro de photoshop da AU que virou assunto da blogosfera esta semana (aqui e aqui) me fez refletir sobre o excesso de visualidade da arquitetura em tempos de informação torrencial. Tudo é imagem, tudo é photoshop, como escapar deste dilema? Já que a ferramenta existe e infelizmente a maioria dos nossos colegas arquitetos pelo mundo a fora só passa os olhos nas revistas para captar imagens, raramente para ler o que se diz delas.

pensando nisto lembrei de duas excelentes dissertações de mestrado que tive o prazer de avaliar alguns anos atrás. Por coincidência Katia e Katja partiram quase da mesma pergunta: se a arquitetura atual é por demais imagética, deve haver um meio de, retirando a visualidade do jogo, chegar à essência do espaço. Ambas foram então entrevistar deficientes visuais para saber deles que arquitetura é essa que se faz sem a percepção visual.

Katja Frois tomou um caminho mais fenomenológico e entrevistou deficientes visuais depois de visitarem 3 espaços “sacros”, discutindo então a experiência destas visitas e a idéia do sagrado apreendida sem a imagem (ou mesmo sem a luz).

Katia Lopes de Paula usou uma metodologia mais empírica e gravou a fala dos deficientes visuais descrevendo os espaços por que passavam, trabalhando as diferenças entre o que eles percebiam e o que veem as pessoas com visão completa.
e o interessante é que ambas descobriram uma riqueza da experiência que transcende nossa dependência contemporânea da imagem e da visualidade.

para entender melhor a arquitetura, que tal se fecharmos um pouco os olhos e abrirmos os outros sentidos?


os interessados podem ler as dissertações na respectivas bibliotecas da UFRJ e UFMG:
Katia Cristina Lopes de Paula. A arquitetura além da visão: uma reflexão sobre a experiência no ambiente construído a partir da percepção de pesoas cegas congênitas.. 2003. Dissertação (Mestrado em Arquitetura) - Universidade Federal do Rio de Janeiro, oriantadora: Profa. Dra. Cristiane Rose Duarte.

Katja Plots Frois. O resgate da dimensão ética da arquitetura através da percepção dos cegos. 2002. Dissertação (Mestrado em Arquitetura) - Universidade Federal de Minas Gerais, orientador: Prof. Dr Carlos Antônio Brandão.

Sunday, April 20, 2008

verde corporativo



em 1951 a Lever house projetada pelo escritório SOM redefinia o significado da arquitetura moderna nos EUA, inaugurando o casamento entre modernismo e capitalismo que duraria décadas e se propagaria pelo mundo todo.

sim, nosso MES já era um projeto adulto e um edifício “trocando-de-dentes” quando a Lever foi construída em NY, mas se ao grupo do Doutor Lucio cabe o pioneirismo dos 5-pontos corbusianos (depois levados por Oscar e pelo próprio Corbusier para o edifício da ONU (1947-52), o SOM foi quem fez da receita pilotis + fachada de vidro + planta livre um bestseller corporativo (o brise-soleil infelizmente foi trocado pelo ar condicionado central mas está voltando com força total em tempos de petróleo a $ 115).

mas essa volta toda eu dei para falar de uma publicidade hoje no NYTimes. A revista de domingo inteira foi sobre a questão “verde”, o que não é mais novidade.

novidade é o Bank of América fazer propaganda do seu novíssimo edifício (projeto de Cook + Fox) no Bryant park, a poucos blocos da Lever do SOM, da ONU de Oscar e Corbu e também da Seagram’s de Mies e Johnson.

e o que tem de mais nesse edifício que por fora se parece com tantos outros arranha-céus novaiorquinos?

coleta de água de chuva (300 mil litros) para uso nos sanitários, ar-condicionado 40% mais eficiente que o normal, e 35% de todo o edifício é de material reciclável.

concordo que da mesma forma que na Lever e na Seagram´s, conceitos arquitetônicos foram apropriados pelo marketing corporativo. Mas não é muito melhor ter reciclagem de água e materiais reciclados como marketing ao invés de fachadas neo-neoclássicas e vidros espelhados que tornam a calçada oposta 5o mais quente?


Thursday, April 17, 2008

arquitetura e política


hoje de manhã numa banca de TFG uma aluna apresentou um projeto razoavelmente futurístico: usar as estruturas de estacionamento como fazendas hidropônicas, já que o preço do petróleo vai tornar os automóveis obsoletos no futuro.

até ai acho uma ótima idéia, exploração urbana típica de TFG. O problema começa quando ela propôe que os “pobres” se beneficiem do cultivo porque os “ricos” continuarão com seus automóveis movidos a hidrogênio ou eletricidade.

eu fiquei indignado: como é que um estudante gasta um semestre inteiro projetando para um cenário futuro e não consegue imaginar uma sociedade um pouquinho mais igualitária. Não que eu acredite que a arquitetura tenha o poder de resolver os problemas sociais, perdemos esta ilusão já há algumas décadas, mas se não conseguimos sequer pensar num futuro mais justo estamos condenados a repetir o status-quo.

a discussão que se seguiu foi intensa e a maioria dos participantes tentou varrer o problema para debaixo do tapete ao adjetivá-lo como político e consequentemente não arquitetônico.

aqui vai a minha pergunta indignada da semana: a arquitetura, como ente público que transforma o espaço e interfere na minha relação com o mundo é iminentemente política.

ou vocês não acham que ignorar a desigualdade seja um ato também intrinsicamente político?

Tuesday, April 15, 2008

melhorou


antes que digam que este blog agora faz parte da propaganda oficial do governo Lula, vou logo avisando que foi concidência: na quinta-feira recebi em Michigan o prefeito de BH Fernando Pimentel (PT) e na segunda lá estávamos nós (a família toda, pai, mãe, criança, bebê e avô) no consulado brasileiro em Chicago para registrar devidamente a pequena que agora é brasileirinha como todos os outros.

o consulado em Chicago, onde já tinha estado umas 4 vezes, era uma salinha apertada, com 3 cadeiras apenas (muita gente em pé) e funcionários dignos do antigo INPS pela vontade com que atendiam aos patrícios residentes na região dos grandes lagos.

pois o que encontrei ontem foi um espaço 4 vazes maior, reformado, cheio de cadeiras confortáveis e funcionários prestativos e dando um suporte de tirar o chapéu. Conversando com alguns sobre a diferença, ouví que o Itamarati resolveu ha alguns anos dar aos cidadãos brasileiros residentes no exterior o mesmo tratamento que dá aos exportadores e politicos em visita oficial.

a melhora é nítida, e fica aqui o registro de um cidadão satisfeito com a forma como o governo de seu país trata de seus interesses pelo mundo a fora

Thursday, April 10, 2008

prefeito pimentel





nos últimos dois dias eu tive a honra de receber aqui na Universidade de Michigan o prefeito de Belo Horizonte, Fernando Pimentel. A palestra do prefeito hoje a tarde teve um público excelente e reuniu pela primeira vez este ano todos os brasilianistas de Michigan, professores e alunos, para ouví-lo falar sobre as obras nas favelas de BH. Com recursos do PAC, BH está investindo quase 300 milhões de dólares (mais de 550 milhões de reais) em seis áreas de vulnerabilidade social do município.

não quero neste blog fazer apologia da prefeitura de BH, mas sim comentar uma questão arquitetônica. Entre as mais diversas obras figuram 44 escolas infantis, centros pré-escolares para crianças de 0 a 5 anos de idade. A qualidade das edificações é tão boa que os arquitetos daqui, acostumados com o que chamaríamos grosseiramente de “primeiro mundo” ficaram impressionados, eu inclusive.


imagino, com base na minha fé de que o espaço construído tem capacidade de induzir alguma transformação social, que as crianças que passarem por estas escolas não vão aceitar depois qualquer prédio caindo aos pedaços, seja para estudar, para trabalhar e oxalá para morar também.

creio eu que a boa arquitetura é contagiante como a dengue, levada por dois principais vetores: o usuário, vetor passivo, que aprende como a arquitetura pode ser melhor; e os trabalhadores da construção civil, que aprendem e efetivamente repetem esta arquitetura sempre que lhes é dada oportunidade, o vetor ativo da disseminação do vocabulário arquitetônico.

a arquitetura, ainda que muito insignificantemente atravéz deste humilde blogueiro, agradece o investimento nos seus valores que ficou estampado hoje nas imagens das escolas em BH.
.
ps em 11 de abril: obrigado Marcelo Santiago do Horizontes pelos créditos corretos: o projeto é de Marcelo Amorim e Silvana Lamas, detalhado aqui na Projeto

Tuesday, April 8, 2008

ply



as vezes o que está próximo se torna tão familiar e corrente que não damos tanto valor. Karl Daubman e Craig Borum dão aulas aqui em Michigan e eu trombo com eles quase todos os dias, mas hoje resolvi escrever sobre o trabalho deles no Studio Ply que é das coisas mais criativas e instigantes que eu ví ultimamente.


o nome PLY vem de plywood, nosso conhecido compensado, aquele sanduíche de madeira vagabunda que por ter cada camada com as fibras orientadas em um sentido, adquire uma resistência incomum para uma madeira tão macia como o pinus ou o similar.


Karl e Craig derivam do compensado toda uma gama de qualidades cuja inventividade é invejável. Corta-se, cola-se, fura-se, com cortadora laser ou com CNC router. Junta-se ao compensado chapas de metal perfuradas e cortadas das mais diversas maneiras, sempre desenhadas digitalmente e montadas de forma a se minimizar a perda do material. Ver Karl e Craig explicando seu trabalho provoca uma série de “ahh, como não pensei nisso antes”...


mas vale a pena mesmo é vê-los fazendo a arquitetura. Com um escritório pequeno e a ajuda de alunos estagiários, Karl e Craig põem literalmente a mão na massa, na serra e no martelo para realizar seus projetos. Tudo isso que você vê no site deles
www.plyarch.com foi feito por eles mesmos, nada é sub-contratado. Eles são seus próprios marceneiros, pintores e assentadores.

junte-se a isso um discurso elaborado e uma postura crítica digna da Universidade de Michigan e tem-se um pequeno escritório citado pela Wallpaper como dos mais promissores do momento.


e tudo isso baseado na flexibilidade e na versatilidade do compensado, esse mesmo que a gente tanto despreza como material menor.

Thursday, April 3, 2008

contra-cultura ou contra a cultura?


acabei de ler o livro-manifesto de Andrew Keeen, “the cult of the amateur, how today’s internet is killing our culture”.


o argumento de Keen é de que a suposta democratização do acesso e da disseminação da informação está causando mais dano que benefício. Como exemplo, Keen lista vários blogs supostamente amadores pagos por empresas ou lobbies, mensagens de ódio em redes de relacionamento, vídeos falsos no Youtube e outras campanhas difamatórias do tipo para mostrar o poder destrutivo desta avalanche de informações sem controle que nos afeta diáriamente e contra a qual não temos ainda abrigos adequados.


até aqui concordo plenamente com o argumento de Andrew Keen, principalmente quando ele expõe o lado negro da Wikipedia, como o caso dos executivos do Wal-Mart constantemente editando favoravelmente o artigo sobre a firma, ou o caso de uma arbitragem da própria Wipkipedia que considerou equivalentes as contribuições de um adolescente e as de um climatologista com 18 anos de carreira no caso de artigos sobre o degelo da Antártica.

mas a idéia de Keen de que a blogosfera atual se equivale a milhões de macacos digitando em milhões de teclados (usando a metáfora de T.H Huxley, avô de Aldous, o autor de Admirável Mundo Novo) e de que esta pletora de informações está sufocando a idéia mesma de cultura me parece exagerada e tendenciosa.


sendo o próprio Keen um crítico de música, seu capítulo sobre o impacto da internet na indústria fonográfica explica muito do seu desespero atual. Keen vai fundo em detalhes mostrando a falência da Tower Records e a perda de faturamento de Hollywood para argumentar os prejuízos causados pela internet, sem ao menos citar o outro lado, ou seja: o forte lobby da indústria de entretenimento que durante décadas manipulou preços e mercados, sufocando concorrentes e criando cartéis e monopólios.

na questão do jornalismo o texto de Keen é um pouco mais equilibrado, ainda que vociferando contra a falta de controle e rigor das informações na blogosfera. No final do livro o autor aponta possíveis “soluções” como as iniciativas do New York Times e do Guardian de disponibilizar conteúdo gratuitamente na internet em troca de publicidade, e o quanto ainda se valoriza a informação produzida por um jornalista e escrutinada por um editor.

em vários momentos Keen cita a importante função que o especialista desempenha na sociedade contemporânea, e a diluição deste conhecimento acumulado é o principal problema apontado pelo autor. Mas Keen se recusa a tratar o outro lado da moeda: o enrigecimento das estruturas que acabam gerando defesas corporativistas, cartéis e lobbies de todo tipo. Um pouquinho de Foucault não faria mal nenhum à análise de Keen que as vezes parece estar interessdo em salvar a cultura, outras vezes parece simplesmente amarrado a um modelo capitalista de marketing cultural que precisa urgentemente de evoluir para preservar o que existe de melhor na capilaridade interativa da internet sem necessariamente deixar de valorizar o talento e o esforço.

vai levar algum tempo e ainda vamos ler, ver e ouvir muita porcaria, mas o trigo há de se separar do joio nesse campo fértil que é a web.